quinta-feira, dezembro 29, 2005

EFEMÉRIDE: 200 ANOS DA MORTE DE MANUEL BARBOSA du BOCAGE

Manuel Maria Hedoïs Barbosa du Bocage nasceu em Setúbal - na rua de S.Domingos – a 7 de Setembro de 1765, e faleceu em Lisboa, a 2 de Dezembro de 1805, numa travessa da rua Formosa (actual rua do Século).
Partiu muito jovem ainda para o Oriente onde permaneceu alguns anos. No regresso a Portugal entrou para a Nova Arcádia com o nome de Elmano Sadino. Em breve, porém, acabou por satirizar os seus membros; foi acusado de revolucionário veio a ser preso.
Faleceu com apenas 40 anos. A sua obra é constituída por todos os géneros poéticos em curso no seu tempo, mas foi no soneto que deixou o melhor de si próprio; nas suas composições combina elementosneoclassicistas com o gosto pelo pré-romantismo. A solidão, o sofrimento, o amor-ciúme, o belo-horrível, a morte, são alguns dos temas que trata, de acordo com o próprio infortúnio da sua vida.

Ficam de seguida alguns sonetos como homenagem a este importante poeta.



"Não dês, encanto meu, não dês, Armia,
Ternas lamentações ao surdo vento;
Se amorosa impaciência é um tormento,
Com ledas esperanças se alivia:

A rigorosa mãe, que te vigia,
Em vão nos prende o lúcido momento
Em que solto, adejando o pensamento,
Sobe ao cume da glória, e da alegria:

As fadigas d'Amor não valem tanto
Como a doce, a furtiva recompensa
Que outorga, inda que tarde, aos ais, e ao pranto:

Amantes estorvar, que astúcia pensa?
Tem asas o desejo, a noite um manto,
Obstáculos não há, que Amor não vença."



A frouxidão no amor é uma ofensa

A frouxidão no amor é uma ofensa,
Ofensa que se eleva a grau supremo;
Paixão requer paixão, fervor e extremo;
Com extremo e fervor se recompensa.

Vê qual sou, vê qual és, vê que diferença!
Eu descoro, eu praguejo, eu ardo, eu gemo;
Eu choro, eu desespero, eu clamo, eu tremo;
Em sombras a razão se me condensa.

Tu só tens gratidão, só tens brandura,
E antes que um coração pouco amoroso
Quisera ver-te uma alma ingrata e dura.

Talvez me enfadaria aspecto iroso,
Mas de teu peito a lânguida ternura
Tem-me cativo e não me faz ditoso.



Importuna Razão, não me persigas

Importuna Razão, não me persigas;
Cesse a ríspida voz que em vão murmura;
Se a lei de Amor, se a força da ternura
Nem domas, nem contrastas, nem mitigas;

Se acusas os mortais, e os não abrigas,
Se (conhecendo o mal) não dás a cura,
Deixa-me apreciar minha loucura,
Importuna Razão, não me persigas.

É teu fim, teu projecto encher de pejo
Esta alma, frágil vítima daquela
Que, injusta e vária, noutros laços vejo.

Queres que fuja de Marília bela,
Que a maldiga, a desdenhe; e o meu desejo
É carpir, delirar, morrer por ela.



Oh retrato da Morte, oh Noite amiga

Oh retrato da Morte, oh Noite amiga,
Por cuja escuridão suspiro há tanto!
Calada testemunha de meu pranto,
De meus desgostos secretária antiga!

Pois manda Amor que a ti somente os diga,
Dá-lhes pio agasalho no teu manto;
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel, que a delirar me obriga.

E vós, oh cortesãos da escuridade,
Fantasmas vagos, mochos piadores,
Inimigos, como eu, da claridade!

Em bandos acudi aos meus clamores;
Quero a vossa medonha sociedade,
Quero fartar meu coração de horrores.



Magro, de olhos azuis, carão moreno

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;

Eis Bocage em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou cagando ao vento.

Nota – em face da Censura totalitária e fradesca, o último verso deste soneto tem andando por aí, em antologias e não só, ao longo destes anos todos, com a seguinte redacção:

“Num dia em que se achou mais pachorrento”.


A verdade é que não foi isso que o Poeta sadino e alfacinha escreveu, mas, sim, o que, agora, aqui se reproduz, composto pelos computadores do secúlo XXI – Fernando Grade.

sábado, dezembro 24, 2005

SESSÃO DE DIA 21/12/05

Realizou-se no dia 21 de Dezembro a 23ª sessão dos Meninos d´Avó! Uma sessão que marca o primeiro aniversário das nossas sessões! Para celebrar esta data tivemos connosco o poeta Fernando Grade. Numa apresentação sempre cativante o poeta falou-nos do seu novo livro ("Poemas de Natal") e do seu fascinante passado.
Desta vez não vão ser colocados poemas lidos na sessão mas sim fotos!
Como se diz uma imagem vale por mil palavras e esta é a nossa forma de agradecer aos presentes (e aos ausentes que por várias razões não podem ir à sessões) que criam o espiríto e o ambiente que todos elogiam e se sentem confortáveis!

A Todos o nosso muito Obrigado!!


Fernando Grade ladeado por Rui Lopo e Jorge Menezes



Que este seja apenas o primeiro de muitos! Obrigado a todos os que passaram ao longo deste ano e ben-vindos sejam nos próximos!

A Poesia está na rua! Não pisar

quinta-feira, dezembro 15, 2005

FERNANDO GRADE

Fernando Grade numa sessão dos Meninos d´Avó

Na próxima sessão (dia 21) voltaremos a ter o poeta Fernando Grade connosco! Desta vez a sua participação irá incidir na apresentação do livro "Poemas de Natal", voltamos a destacar a sua obra, desta vez com um maior enfâse bíográfico:

Fernando Grade nasceu no Estoril (1943, sob o signo do Carneiro). Empenhado na agitação e dinamização de ideias, antes e depois do «25 de Abril», Grade organizou recitais, disse poemas dos outros e seus, dirigiu colóquios sobre poesia moderna, mormente do Orpheu ao Desintegracionismo, fez conferências acerca de artes plásticas, realizou teatro de acção e sessões-a-poesia-está-na-rua, em sociedades de cultura popular, bibliotecas, unidades fabris, clubes desportivos, escolas técnicas, liceus, sessões de esclarecimento e comícios políticos, museus, na via pública, em suma, em muitos e contrastados sítios, nomeadamente Leiria, Lisboa, Amoreira, Carcavelos, Luanda, Cabinda, Barreiro, Paris, Caparide, Benguela, Cambambe, Almada, Parede, Torres Vedras, Caldas da Rainha, Londres, Cascais, Murtal, Sevilha, Caxias. Alcabideche, Montijo, Abóboda, Guimarães, Oeiras, castelo Branco, Estoris, Madorna, Alvide, Peniche, Fundão, Idanha-a-Nova, Póvoa de Penafirme, Vale do Jamor.
Como artista plástico, é o criador da Teoria das Multidões e das Colagens Perversas. Expôs, individualmente, em Lisboa (por três vezes), Benguela, Luanda, Parede, Angra do Heroísmo, Horta, Cascais e Castelo Branco. Está representado com a sua Teoria das Multidões no Museu Nacional de Arte Contemporânea, no Museu de Angola, no Museu de Castelo Branco e nas colecções da Galeria Nacional de Arte Moderna e do Museu da Cidade de Luanda, bem como em diversas colecções particulares nacionais e estrangeiras.
Crítico de arte, tem trabalhos, dispersos especialmente pelo «Jornal de Letras e Artes», «O Século», «Século Ilustrado» (nesta publicação manteve uma secção semanal durante 3 anos) e «Diário de Notícias» (de Maio a Novembro de 1975).

Foi crítico literário do «ABC – Diário de Angola» e do «Podium». Crítico de televisão e espectáculos da «Vida Mundial». Cronista literário de «A Capital», «O Século», «Jornal de Viana e «A Bola». Foi director e chefe de Redacção da revista «Costa do Sol».
Pertenceu à Sociedade Portuguesa de Escritores, destruída pela PIDE e extinta. Foi director técnico da Associação Portuguesa de Escritores e da Associação Portuguesa de Críticos.
Faz parte do MIC (movimento de Intervenção Cultural).
Foi vereador, pela FEPU, da Câmara Municipal de Cascais.


NATAL

Hoje nasceu um poeta
no escuro da minha rua
Cresceu fez-se homem
apagou o sol
e bateu na lua

Amanhã será tão nutrido
que tremem as balanças de esquina
sentido o ranger de sapatos
os seus passos não beatos
Amanhã será tão angélico
que os anjos ruins ou não
sentem a inveja nascer
sob a membrana da fala

vendo voar rente aos astros
esse poeta maldito
sem carne nem abraços
abaixo os sexos e a lua
hoje nascido aqui
do ventre mais volumoso
da virgem da minha rua

Fernando Grade, in "Sangria" (1962), Edições Mic



OS LOUCOS E AS FACAS

Sim os loucos adoram as facas
mas detestam as espingardas carregadas
de sal
Eles matam todos os bicharocos
menos os pobres
Adoram as facas de lâmina prateada
as vermelhas de cortar melancia
as azuis
e cospem nos verdes revólveres
armas luzidias
O manual artístico dos canhotos
é da autoria de um louco

Os loucos são belos divertidos são castanhos
e todos me parecem mestres famoso
O meu primo pintor abstracto
já constrói muito melhor as coisas de dentro
desde que recebe lições de um louco
Dantes era uma nulidade cinzenta
agora só vira a cabeça na rua
quando o tratam por génio

Vou a Hyde Park defender a causa dos loucos
Pois claro hão-de fazer exame de Latim

Como a História é um rebuçado multicor
os loucos sairão distintos em megalomania

Fernando Grade, in “Um Arbusto Entre os Calhaus” (1965), Edições Mic



Anti-Necrológica

para o Urbano Tavares Rodrigues

Os que choram o morto,
o seu antigo rosto trigueiro,
não choram a razão do morto.

Só a lógica na relva
Nos dá a raiva e a semente.

(Quem chora o morto,
chora-o apenas
parvamente).

Não choro os mortos-com-razão:
as suas veias verticais
são riscos onde
os dedos ganham a forma do sal
e dos pardais.

Fernando Grade, in “A + 2 = Raiva” (1970), Edições Mic

quinta-feira, dezembro 08, 2005

F.M. PALMA-DIAS

Durante a sessão dedicada a este poeta ficamos a saber que o Francisco Palma Dias morreu enquanto poeta em 1985, desde então a sua obra vem assinada como F.M. Palma-Dias. Aproveitamos para deixar publicado alguns poemas inéditos que fazem parte dos volumes de Obras Imperfeitas do poeta:

dobragem

sul


olhar de efebo a ver-se
macho. Máscara a máscara, margens e hexílio
suas cartas

[mamuda nos dentes, uma dona
em serpente, tínhamos
vinte anos…Trocar
de língua, de livros, de canções…Tropeçar
em mumadona

no cansaço e no grito – aquele jeito antigo, o mar dos aflitos
mais o sakristédio a jeringonça o país catita
[mas o´neill
de amigo na onça – e o césar
in]



ósculo na boca e unicórneo na máscara
o barco de tânger
atraca num óculo

enxame de abelhas
tangerinas soltas, abrodagens, fruta. Mulas da senhora
carregando verdura e tremoço, bilhas de água fresca

[olhar sem estorvo
alcachofra
fogo]

moldadas pelos dentes, rente à madeira dos licores
chamas vivas en sombras estridentes. Astear
teixeira gomes


pirar en caravelle, rouler DS ou dar
o salto – mais, bientôt, ce nétait plus
le temps des cerises

bruxelas em telhados de zinco
punhos em pino na falha da flandres
e a meia desfeita granulando as coxas. Estrellas

estrelas e maganos travestem a noite.
Churros toledanos y madrugá con
Chocolate [avental, peitoril blanco y goma]
por dos más feas que las meninas
pero con el fuego del inferno en los aceites [puro homenaje
a don luís e federico]


el rímel se deshacia. Detrás
la máscara, en los espejos reclinados,
saliam efebos cábrios del mediterrâneo


solia fumar-se kif con aguardente anisada. La CEE
no sabia que su europa ya estava tocada
. Rue de tanneurs
rehaciamos en circulo la cuadratura hispânica


F.M. Palma-Dias, “Bruxelas de Uzifur”, 1965, tomo 1 de Obras Incompletas, (editor: Procura-se)

LANÇAMENTO:

O que será que um livro esconde?... terá apenas letras? … e se os livros fossem pessoas?... sim, sim personagens animadas que falam, cantam, riem, brincam, sonham, provocam, discutem, espantam-se… mas que sobretudo, divertem-nos, divertindo-se!

Acordem os Livros que queremos ouvir Ler

É este o nosso desafio na apresentação d´”Os livros que gostam de contar histórias”. A pé de Página Editores, os autores fátima & zé-luís & marc & amigos têm o grato prazer de vos convidar&animar.
Quando? Ora, ora, no dia 10 de Dezembro (sábado) às 16.30h. onde? No Espaço Por Timor em frente à Assembleia da Republica (ui!) na R. de S.Bento, 182/184, 1200 Lisboa. Contamos convosco para a Festa dos Livros!... (ah! E podem trazer os pais!)

SESSÃO DO DIA 7/12/05

Francisco Palma-Dias e Jorge Telles de Menezes em destaque



Realizou-se no dia 7 de Dezembro a 22ª sessão dos Meninos d´Avó. Esta sessão ficou marcada por duas visitas, o poeta F.M. Palma-Dias que veio falar-nos da sua obra poética e da presença de três elementos pertencentes à Orquestra de Palavras, um grupo de leitura e escrita criativa da Ericeira. De realçar ainda a adesão ao cantinho do tricot que passou a ser uma imagem de marca das nossas sessões. De seguida reproduzem-se os poemas lidos/representados pelos elementos da Orquestra de Palavras:
Os Anos Felizes

eu tlim ciências
tu tlim matemáticas
ele tlim trabalhos manuais
nós tlim recreio
vós tlim senhora
eles tlim castigo

Mário Cesariny (com António Domingues)



Um Velho no Restelo

Irado, e meio de recusa, olha as gaivotas.

É o Homem do leme?
Não o creio.

Dá tudo por tabaco. Um cigarrinho
Apazigua o velho. A sua queixa
(histórica?) é, afinal, conforme.

Vem para terra o velho. Perde uma alpergata
e apostrofa o mar que não tem culpa
do alcatrão fervente.

O velho morde um pão
E deixa nele o dente.

O velho bebe um copo
Não deixa nele a sede.

O mar é ladrão.
De pais a filhos o mar é o ladrão.

O sal das sobrancelhas alveja em seu olhar.
Está por tudo o velho, menos pelo mar.

Alexandre O´Neill



Inscrição

Quando eu morrer voltarei para buscar
os instantes que não vivi junto do mar.

Sophia de Mello Breyner Andersen


Esquecido no Outono

Eram sete e meia
do Outono
e eu esperava
não ineteressa quem.
O tempo
cansado de estar ali comigo
a pouco e pouco desandou
e deixou-me sozinho.
Fiquei então com a areia
do dia, com a água,
sedimentos
duma semana triste, assassinada.

- Que foi? – perguntaram-me
as folhas de Paris. – quem é que
esperas?

E assim fui várias vezes humilhado
primeiro pela luz que se apagava,
depois por cães, por gatos e gendarmes.

Fiquei só
como um cavalo só
quando no pasto não há noite nem dia,
apenas sal de Inverno.
Fiquei
tão sem ninguém, tão vazio
que choravam as folhas,
as últimas, e depois
caíam como lágrimas.

Nunca antes
nem depois
fiquei tão de repente só.
E foi à espera de quem,
não me recordo,
foi tolamente,
passageiramente,
mas aquilo foi
a instantânea solidão,
a mesma
que se tinha perdido no caminho
e num instante como a própria sombra
desenrolou o seu infinito estandarte.

Então saí daquela
esquina louca com os passos mais rápidos que tive,
foi como se fugisse
da noite
ou da pedra escura e roladora.
Não é isto que eu conto
mas passou-se quando eu estava a espera
de não sei quem um dia.

Pablo Neruda

EFEMÉRIDES/ACONTECIMENTOS:

No ínicio da sessão de 7 de Dezembro demos destaque aos seguintes acontecimentos:
Dia 28 de Novembro foram lançados dois livros do Miguel Real na Fnac do Chiado, um sobre o Marquês de Pombal e o outro sobre o terramoto de Lisboa.

Dia 1 de Dezembro comemorou-se a restauração da independência de Portugal.

Dia 8 de Dezembro comemora-se o dia de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal.

Relembrou-se José Alfredo da Costa Azevedo, ilustre sintrense, autor do livro “Velharias de Sintra”, foi presidente interino da câmara municipal de Sintra no pós-25 de Abril.

Estreou a peça “Histórias do Arco da Velha” levada a cena pelo grupo de teatro Tapa-Furos.

Na próxima sessão dos Meninos d´Avó irá ser apresentado o livro “Poemas de Natal” do poeta Fernando Grade e comemoram-se o primeiro aniversário das nossas tertúlias! Espera-se uma sessão muito especial no dia 21 de Dezembro.

Devido a problemas burocráticos e impedimentos vários não se realizaram no fim de semana passado algumas actividades previstas para se realizarem na sociedade filarmónica “Os Aliados”, nomeadamente um concerto organizado pela Alagamares e a Feira Biológica. Uma situação que apenas empobrece o curto panorama cultural de Sintra e que merece a reprovação de todos nós.