Olímpio Neves Gonçalves, natural do Porto, é licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da mesma cidade. Para além de alguma publicação dispersa por várias revistas e suplementos literários, com o pseudónimo de Carlos Gabriel, colaborou na plaquete de poemas para Florbela Espanca e na “Antologia a Teixeira de Pascoais”. Em 1962 publicou o livro de poesia “Alguém Mora na Outra Margem” e, em 1962 colaborou na Antologia “Poesia e Tempo”, com outros autores, tais como António Ramos Rosa, Fiama Pais Brandão, Maria Teresa Horta, entre outros.
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Onde mesmo as telúricas tardes são hálito e
sussuro na terra ardente este acsao em cavalgada
inútil passáros toma por muro intransponível
Canta um pássaro o riso e não se derrama oh
tão espalmado ele voa no lastro das dores que estas
modulam seus muitos idiomas e gorjeios seus soluços
baloiçantes nos flocos do sonho
Dores e riso sim na ternura febril das
ancas da insónia e lágrimas cristais verdes de
lágrimas na vertente radiosa dos rostos cúmplices
Que sôfrega demência ante as diáfanas e rarefeitas
Traições desta hora insubmissa
Resíduo flor supérflua na proa da nave que
paira resvala o efémero gume no vislumbre da lâmina
o eco da elegia o escoa na anemia vítrea das iras
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E então direis
que a alegria desce do maná
na abundância do deserto
e que a vara
fende na rocha adusta o fio cristalino
da água da ablução de cada dia
Nunca mais
as prostrações ante o bezerro dourado
enfeitado nas tranças falazes da serpente
Nos altares
agora alisados nos musgos e líquenes húmidos
dos cultos mortos o fedor das lajes
há muito abandonados na clareira árida
O riso
irrompe por entre os dentes da claridade
da axila orvalhada da manhã
e orvalho embebe sua oleosa pupila
no beijo da frescura das têmporas
Inocência
das coisas puras Inocência nua na epiderme
exposta à libação do vinho e do pão
repartido pelo sacerdócio das carícias e afectos
As bailadeiras ungidas pela osmose do incenso
Sorvem nas volutas os haustos
Da ébria e sinuosa amplitude dos gestos
A ambrósia
excita as papilas da língua Os sápidos sabores
transmutam-se nas licorosas bodas
espasmos nas virgens seduzidas e prontas
São nossas
as janelas de todos os assomos de todos os abraços
ancorados nas angras de todos os seios
são nossas as velas enfunadas de todos
os veleiros do êxtase
Um novo deus
alcança a beatitude nas alturas envadas
os calmos himalaias inundam na paz do silêncio
os inquietos pensamentos os gafanhotos saltadores
na selva das emoções apaziguadas
Se um deus
ronda nas imediações das províncias da alma
nessa fronteira elástica da vertigem das pátrias
quem o reprovará com palavras indiscretas
Olímpio Neves Gonçalves; in “Os Arquétipos”; Tertúlia, 1996.
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