sexta-feira, junho 09, 2006

SESSÃO DO DIA 07/06/2006:

Realizou-se no dia 7 de Junho a 34ª sessão dos Meninos da Avó. Como anunciado tivemos como convidado o escritor Manuel da Silva Ramos. O autor presenteou-nos com as suas histórias e vivências que o marcaram e transpôs para os seus livros!

Tivemos o prazer de ter igualmente como convidados dois jograis que fizeram uma leitura teatrilizada e muito interessante de alguns trechos do último romance do escritor ("Ambulância").
A introdução e contextualização da obra do autor foi feita por Jorge Menezes e Miguel Real, depois da leitura dos jograis tivemos uma pequena introdução na vivência do autor ao longo dos tempos: desde os tempos em que esteve em França até ao seu regresso a Portugal, sempre pontuada com pequenas histórias cheias de humor e peripécias!

Em seguida fica o texto escrito por Jorge Telles de Menezes acerca do último romance do escritor Manuel da Silva Ramos:

UMA «AMBULÂNCIA» COM URGÊNCIA PARA PORTUGAL!

DO ROMANCE DE MANUEL DA SILVA RAMOS


A última obra do escritor Manuel da Silva Ramos, «Ambulância», é uma reportagem poética profunda sobre o Portugal coevo, uma inquirição sociológica à realidade que somos hoje, acabados que estão todos os impérios e afastado, parece, o fantasma do autoritarismo das mentalidades e costumes pela crescente internacionalização da economia, da política e dos padrões de vida.

Este é um Portugal desajeitado ainda no seu papel de país «civilizado» pareando com os países reformados do Norte, um novo-rico envergonhado do seu passado pobretana e que à boa maneira do Sul afirma a sua identidade pela competição nos sinais exteriores de riqueza. Este Portugal-Cherne, alegoria ao conhecido político mundanamente célebre por suas férias como convidado de milionários, continua subdesenvolvido na pobreza de muitos dos seus velhos, excluídos, desempregados, mas sobretudo na desumanidade a que vota os seus mais fracos e deficientes, tão bem personificados no destino de Carlitos.

Na nova ordem internacional, contudo, os salários dos trolhas portugueses, dos empregados do comércio, mas também os rendimentos de comerciantes ou profissionais qualificados chegam para alimentar os prostíbulos de meninas brasileiras que enxameiam o interior do país neste retrato impiedoso e verosímil de uma paisagem social que atravessa um processo de inquietantes transformações.

O caso da morte de Carlitos, um jovem portador de deficiência, mas doce e amigo de todos, às mãos da sua mãe, constitui-se como a parábola estruturante do livro, o núcleo narrativo em torno do qual gira a investigação do narrador ao nosso modus vivendis actual. Sua mãe é uma mulher brutalizada pela vida, pela nossa vida, uma vítima da falta de apoio e de solidariedade de uma sociedade que parece adormecida, hipnotizada e bloqueada por esta democracia que num plano social se revela completamente impotente para re-humanizar os portugueses. Embora pintada com cores muito cruas e violentas sentimos que por trás desta mulher e do seu comportamento esvaziado de valores morais está toda uma sociedade. Ela não é culpada, todos nós o somos, se tivermos que encontrar um bode expiatório.

O Portugal por trás de Carlitos e de sua mãe é ainda o do obscurantismo religioso e da superstição tão escandalosamente explorada por santinhas milagreiras, mas que também encontra forças nalgumas das suas tradições, como na festa do bacalhau em Alenquer, para ser iconoclasta, crítico e satírico retomando a veia de um espírito que se exprimia livremente na nossa Idade Média. A crítica de uma vida quotidiana dessacralizada, grosseiramente materialista, violenta e desumana, num país onde até os «inocentes são impuros» é feita a partir da perspectiva europeia do narrador; o alter ego com quem dialogamos é essa Europa rica onde afinal acabámos por não nos integrar, à qual só aparentemente pertencemos. Onde ficará o nosso centro? Este livro é com certeza um desafio para que meditemos sobre o que andamos para aqui a fazer, neste Portugal hodierno tão falho de coesão social, tão ignorante e jactanciosamente novo-rico.

Mas para além dos desafios que «Ambulância» coloca à nossa identidade, não devemos alhear-nos da impressionante densidade estética que este livro carrega. Quem gostar de ler a sério os nossos escritores encontrará aqui deleites estilísticos inesperados e refrescantes, uma sintaxe desenvolta e original, uma linguagem desculpabilizada e fracamente policiada que corre livre e directa para o que quer dizer e encontra ao fim a emotividade do leitor rendido à plasticidade da sua expressão. Pelo intenso e rigoroso elaboramento da palavra «Ambulância» é também um livro que se insere na tradição dos nossos grandes textos literários, e que pelo seu profundo sarcasmo e modernidade faz ressoar no leitor não só a tradição portuguesa do escárnio mas também aquela agudeza de espírito e verve tão características dos melhores escritores irlandeses, e pensamos muito concretamente em James Joyce. Muitas outras associações à tradição do espírito crítico europeu são também possíveis e certamente que o leitor as encontrará nesta «Ambulância» de que Portugal precisa com tanta urgência.

Jorge Telles de Menezes

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