A ideia já é antiga. Reunir poetas, actores, leitores, ouvintes. Reunir seres humanos em redor da mais acolhedora das lareiras: a Poesia. Saudosos de outras tertúlias que o tempo consumou e consumiu, sentimos chegada a hora de retomar o hábito de nos desabituarmos da vida em prosa. Ei-nos regressados ao convívio das palavras!
quarta-feira, novembro 29, 2006
HOMENAGEM:
Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando seu fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde formos
um para o outro
vividos
Mário Cesariny, já mais pó de estrelas do que de carne.
Voz numa pedra
Não adoro o passado
não sou três vezes mestre
não combinei nada com as furnas
não é para isso que eu cá ando
decerto vi Osíris porém chamava-se ele nessa altura Luiz
decerto fui com Ísis mas disse-lhe eu que me chamava João
nenhuma nenhuma palavra está completa
nem mesmo em alemão que as tem tão grandes
assim também eu nunca te direi o que sei a não ser pelo arco em flecha negro e azul do vento
Não digo como o outro: sei que não sei nada
sei muito bem que soube sempre umas coisas
que isso pesa que lanço os turbilhões e vejo o arco íris
acreditando ser ele o agente supremo do coração do mundo
vaso de liberdade expurgada da monstruosa vida diante dos nossos olhos
Ainda longe longe essa cidade futura onde «a poesia não mais ritmará a acção
porque caminhará adiante dela»
Os pregadores da morte vão acabar?
Os segadores do amor vão acabar?
A tortura dos olhos vai acabar?
Passa-me então aquele canivete
porque há imenso que começar a podar
passa não me olhes como se olha um bruxo
detentor do milagre da verdade
a machadada e o propósito de não sacrificar-se não construirão ao sol coisa nenhuma
nada está escrito afinal
Mário Cesariny, já mais pó de estrelas do que de carne.
Pastelaria
Afinal o que importa não é a literatura nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante
Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício
Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come
Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo
No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra
Mário Cesariny, já mais pó de estrelas do que de carne.
Descanse em Paz.
SESSÃO DE DIA 24/11/2006:
Como anunciado a sessão contou com a presença do autor Diogo Carvalho que apresentou o seu livro “Nunca Só”.
O lançamento do livro ocorreu no restaurante Regalo da Gula, onde se encontraram alguns amigos e colegas do autor, o que contribuiu para um ambiente tertuliante algo íntimo mas muito interessante.
De seguida fez-se a sessão dos Meninos da Avó no café/bar 2 ao quadrado, na sessão leram-se poemas e textos do livro, sendo de referir uma performance feita por uma amiga do autor com uma forte componente cénica e emotiva!
Debateram-se alguns dos poemas do autor assim como a inspiração por detrás de alguns deles.
Para finalizar evocaram-se os 100 anos do nascimento de Rómulo de Carvalho/António Gedeão.
Lágrima de preta
Máscaras
São pequenas as coisas que fazem muito sentido
Sofrer por aqui não estares, sem nunca te ter tido
Conhecer a história de um romance, sem nunca o ter lido
Sentar-me no trono do herói, sem nunca o ter sido.
É um baile de máscaras onde cada um pode ser o que quiser
Ser Rei, animal, criança ou mesmo mulher.
Pode-se fantasiar até onde se entender
Nada do que se dá é verdade, nada há a perder.
Nascemos neste baile que é já tão antigo
Usamos uma máscara para cada ocasião, nenhuma é de amigo
Se do coração falo, ninguém ouve o que digo
E se alguém notasse, qual seria o castigo?
É uma realidade triste e torta
Largo máscaras e saio pela porta
Sinto na cara um frio que corta
Mas até o frio aconchega mais que essa gente morta.
Larguei as máscaras e afinal
Dei por mim nas ruas da capital
A assistir aos bailes pelo beiral
De uma janela com um belo vitral.
Mais uma máscara para ver outro exterior
Para colorir o cinzento, dar um pouco mais de cor
Olhar para fora não provoca assim a dor
Mas estar lá dentro não significa conhecer o amor.
No baile não há confiança
Aquela peruca apenas parece uma bela trança
Aquilo que cá fora mais me cansa
É haver tão pouca gente nesta dança.
Máscaras que nos dão, outras que pomos
Ninguém quer saber como realmente somos.
Diogo Carvalho, in “Nunca Só”
sexta-feira, novembro 17, 2006
PRÓXIMA SESSÃO
quinta-feira, novembro 16, 2006
quarta-feira, novembro 15, 2006
ANIVERSÁRIO:
Desta vez, para descentralizar, a festa vai ser em Sintra no Rustikafé, a música vai a ser a habitual mistura entre Electro, Rock, 80's e Disco.
O Dj convidado vai ser o Dj Attic, que se enquadra perfeitamente neste contexto festivo
O Rustik estará aberto desde as 22 até as 02..03..04.. depende de vocês ;)
APAREÇAM
Mais informações: http://www.manmachine.pt.vu/
REUNIÃO/DEBATE:
De entre o património ao abandono absoluto em Sintra, Património Mundial, ressalta de forma chocante o chalet romântico de D. Fernando II e sua segunda esposa, Elise Hensler, condessa d'Edla, escondido na mata da Pena.Entendendo um grupo de cidadãos que se torna necessário agir de forma construtiva e propulsora no sentido do restauro dum património que é de todos, vimos convocar os cidadãos cultores da Memória para uma reunião/debate sobre este tema nas Caves de S. Martinho, em Galamares, dia 17 de Novembro, pelas 21h, aí se vindo a assentar sobre as formas de, enquanto sociedade civil, desperta e preocupada, actuar na busca dum final feliz para o Chalet da Condessa de Edla.
Mais informações em http://www.alagamares.net
terça-feira, novembro 14, 2006
ENCONTRO:
Dia 17 de Novembro encontro com Paulo Loução no café/bar 2 ao quadrado.
Sobre Paulo Loução:
Nasceu em 1964, na cidade de Lisboa. Nos seus estudos distinguiu-se na área da matemática, mas veio a intensificar a sua formação nos domínios da filosofia clássica, simbologia, antropologia religiosa e filosofia da história. Para isso, contribuiram os seus quinze anos de estudo e investigação na Escola de Filosofia da Associação Cultural Nova Acrópole. Tem escrito artigos e ensaios em áreas tão diversas como a ecologia, filosofia, esoterismo, história de Portugal e antropologia do imaginário. Desde há uns anos tem orientado as suas investigações no sentido de colaborar no necessário resgate da memória cultural e espiritual do nosso país. O estudo das diversas visões do mundo e da sua relação com o comportamento humano é também uma área que tem merecido a sua especial atenção.Actualmente é director do Projecto Ésquilo. Nesta qualidade concebeu e dirigiu o projecto multimédia, Descobrimentos Portugueses, editado em suporte CD-Rom. Amante da filosofia, escreveu um comentário filosófico à Alegoria da Caverna de Platão, que foi publicado pela Ésquilo em conjunto com a tradução de Pinharanda Gomes do texto clássico citado.
segunda-feira, novembro 13, 2006
PRÓXIMA SESSÃO:
Excepcionalmente esta quarta feira não faremos sessão, pois associamo-nos ao lançamento do livro "Nunca Só" escrito por Diogo Carvalho.
O lançamento será feito ao final da tarde e depois terá continuidade na sessão dos Meninos onde contamos com a presença e participação do autor e leitura de alguns dos poemas que fazem parte desta sua primeira obra.
quarta-feira, novembro 08, 2006
TEATRO
EstE sábado, dia 11 de Novembro, pelas 15h30, a Biblioteca Municipal de Cacém recebe a primeira apresentação ao público de O Capitão Bigodão Doce, um espectáculo infanto-juvenil que, de forma muito divertida, aborda o tema da prevenção rodoviária - do ponto de vista dos mais pequenos.
O Capitão Bigodão Doce é a primeira das aventuras deste simpático personagem, criado por João Pedro Frazão, que a Utopia Teatro leva à cena. Em breve, Bigodão Doce ver-se-à envolvido noutras peripécias...
11 de Novembro, 15h30: Biblioteca Municipal do Cacém (Praceta das Descobertas, nº 22 A, 2735-095 Cacém)
25 de Novembro, 15h30: Biblioteca Municipal de Sintra (Rua Gomes de Amorim nº 12/14, 2710-569 Sintra)
O Capitão Bigodão Doce
Roda-Baixa uma criança como todas as outras que só pensa em brincar… Mas será seguro brincar na rua? Não será perigoso andar de bicicleta na estrada? Quais os cuidados e precauções a ter?
No intervalo entre duas aulas, Roda-Baixa pedala para ir a casa buscar a sua bola de futebol. E no caminho Roda-Baixa tem um pequeno acidente… Talvez porque não fez a manutenção da bicicleta ou por que ia distraído, quem sabe?Em seu auxílio vem o Capitão Bigodão Doce: gordo, com uma forte bigodaça, muito brincalhão, bem contente e feliz mas preocupado com a segurança rodoviária.
sábado, novembro 04, 2006
sexta-feira, novembro 03, 2006
SESSÃO DE DIA 1/11/2006:
Evocaram-se fundamentalmente dois autores: Edgar Allan Poe e José Régio.
Edgar Allan Poe é visto como um dos autores com maiores ligações ao misticismo e sobrenatural leram-se alguns textos deste autor nomeadamente o “Corvo” obra maior e alvo de uma tradução de Fernando Pessoa.
José Régio é um autor com grande dose mística e que foi evocado num poema dedicado a outra grande personalidade cultural nacional Fernando Lopes Graça!
De seguida ficam dois textos lidos na sessão.
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!
ÍCARO
ao Fernando Lopes Graça
A minha Dor, vesti-a de brocado,
Fi-la cantar um choro em melopeia,
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
Ajoelhei de mãos postas e adorei-a.
Por longo tempo, assim fiquei prostrado,
Moendo os joelhos sobre lodo e areia.
E as multidões desceram do povoado,
Que a minha Dor cantava de sereia...
Depois, ruflaram alto asas de agoiro!
Um silêncio gelou em derredor...
E eu levantei a face, a tremer todo:
Jesus! ruíra em cinza o trono de oiro!
E, misérrima e nua, a minha Dor
Ajoelhara a meu lado sobre o lodo.
José Régio, Poemas de Deus e do Diabo.