terça-feira, abril 11, 2006

O IRAQUIANO IRAQUÊS:

De seguida fica um excerto de um livro de Tahir Mujičić.

O IRAQUIANO IRAQUÊS (MD, Zagreb, 2000)
O Cancioneiro tudocroata
Os velhos sentaram-se
(para o país à beira do mundo)

1 ou prólogo

eles os cinco os cinco mesmo
numa parede com quilómetros e quilómetros e quilómetros de comprimento

2
eles os cinco os cinco mesmo
ao sol triste de Dezembro triste
mesmo por volta do meio-dia e antes do almoço

3
eles os cinco os cinco mesmo
virados como deve ser de cara para a fila de casinhas
escondidas atrás dos azulejos azuis de mau gosto
nas fachadas podres que parecem de casa de banho

4
eles os cinco os cinco mesmo
de olhar vazio-desbotado fixado em nós
desajeitados nas nossas bebidas não bebidas nas nossas
cartas não escritas nos nossos sonhos não sonhados
na nossa fingida distracção e leveza

5
eles os cinco mesmo os cinco
virados (mais ainda como deve ser) de costas para o Atlântico
durante séculos com os ânulos aos ômbrulos
com o conhecimento do fim e sem-fim do final e
sem-final da finalidade e sem-finalidade da paredezinha de facto
e das fachadas em frente e américas invisíveis

6
eles os cinco mesmo os cinco
olha, entrevejo também um jornal a esta distância
e é o jornal nacional com o suplemento desportivo
e portanto com o tema (devemos dizer, de futebol)
de sempre e também com o resto da folha amarrotada
numa almofada debaixo do cu para os ossos cansados
próstata afectada bexiga inflamada

a
eles os cinco os cinco mesmo
e só um barrete gasto
e só três óculos rachados

b
eles os cinco os cinco mesmo
e contudo para nós forasteiros
vestidos a preceito e agasalhados

7
eles os cinco os cinco mesmo
virados de costas para o oceano gelado
chamam-se são talvez e confirmam que são
o joão o barbeiro reformado da rua sete
o rui o controlador dos bilhetes de aveiro até ao porto
antunes o ceramista local numa paz profunda
andré o pescador que já não pesca
álvaro o navegador que já não navega

c
eles os cinco mesmo os cinco
ah sim aproxima-se o sexto estou a vê-lo é verdade
com os óculos na cabeça contido e parece-me que
quer dizer algo e parece-me que não

d
eles os cinco os cinco mesmo
e com eles o sexto com eles que talvez seja
alves jorge que vem e não vem
que é e que não é

8
eles os cinco os cinco mesmo
estão sentados e calados e calados e sentados
e com eles também o sexto
até que o barbeiro abre com a mão trémula
o saco de plástico transparente e manchado
e começa a oferecê-los sem paixão
os papo-secos baratos (em redor o cheiro a bacalhau)
e eles tomam sem paixão ou não tomam e mastigam com a boca desdentada
fitando na mesma os azulejos azuis de casa de banho

9
eles os cinco os cinco mesmo
ficam assim eternamente sozinhos e separados da vida
sozinhos com o jornal de ontem encontrado na praia
sozinhos com os resultados comprados do futebol
sozinhos com os talões da reforma amarrotados
sozinhos com os dedos retorcidos da artrite
sozinhos com o vinho tinto e o vinho branco e verde
sozinhos com as mulheres que dantes os enganavam ou não
sozinhos com o fado triste e com o fatal barco negro
sozinhos com certo futuro galopando ao encontro deles

e
eles os cinco os cinco mesmo
ficam e aquele sexto alves jorge
sem profissão reforma origem
vai-se embora e não volta mais

f
eles os cinco os cinco mesmo
ficam porque ficam e porque
se sentaram o que é segundo dizem
a melhor posição para esperar e fim

10 ou epílogo
e ninguém mesmo ninguém
nem de costas nem por cima dos ombros
olha o oceano
porque sabem como é difícil olhar
para uma coisa atrás da qual não há nada
para uma coisa que não tem fim

(1998) Tradução: Tanja Tarbuk

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