A ideia já é antiga. Reunir poetas, actores, leitores, ouvintes. Reunir seres humanos em redor da mais acolhedora das lareiras: a Poesia. Saudosos de outras tertúlias que o tempo consumou e consumiu, sentimos chegada a hora de retomar o hábito de nos desabituarmos da vida em prosa. Ei-nos regressados ao convívio das palavras!
sexta-feira, setembro 23, 2005
POEMAS LIDOS NA SESSÃO Nº 18
(02)
havia sobre a mesa, mangas maduras,
um copo d´água de côco bem gelada,
uma flor desconhecida,
mas de aspecto dulcíssima, e carnuda,
de onde se extraía só com o olhar,
a beleza mais voluptuosa já vista
- esta flor agonizava no vaso,
numa morte lânguida, e morria digna.
havia abacates apodrecendo dentro do frigorífico
e limões graúdos, intocáveis.
havia uma ausência de fome
no quarto desabrochado
onde os amantes, nus, saciados,
desprezavam a fatia de carmim de melancia
exposta na mesa da cabeceira.
(04)
deixas que preencha tuas mãos
com o meu sexo úmido,
e feito cortesã, puta cadela,
um desonrado anjo azul,
permitas que ponha a cabeça,
pulsando rubra, trêmula donzela,
nos teus lábios macios, e faça desta maçã
um néctar deslizando na língua vibrátil.
fecha os olhos, não me olhe,
nem de viés, temo que desperte do extâse.
vejo que tremes o peito
e as narinas cantam
como o vento mais brusco.
apoiando-se na cama,
ergue lentamente os joelhos ossudos,
sentindo o mel do melhor
e suspira,
suspira a eternidade de um amor sem máculas.
Antonio Naud Júnior
da série «GOZO Y SOMBRAS» (poemas eróticos pensando em Konstantinos Kaváfis)
Cádiz (Espanha) 2005.
De coração vazio
Nós que nunca chorámos um único dia deixado por viver
Não iremos ter quem nos limpe as lágrimas ao lembrarmos o que deixámos por fazer
Então um dia iremos sentar-nos sem encarar a noite e
esperar o amor passar
Aguardar as horas mais perdidas sem nunca as ver regressar
Tal como uma vez, ingénuos os amantes prometeram amar-se
num grito rouco
Nunca eles tinham adivinhado as suas palavras num breve sufoco
Somos uma vida deixada por acidente numa jovem palma da mão
De quem tem boca mas nunca arrisca dizer sim ou não
Tudo nos foi dado, cada dia e cada sentimento
Um vago amor, seguido do abrupto arrependimento
E fugimos das paredes que falam repetindo versos de poesia
que nós cantávamos
De coração vazio em direcção ao nada, desencontrados com o fim que ansiávamos
Maria Gomes, in revista "Singularidades, nº24", Nov. 2004
Sozinhos sem reparar
Dizem que a porta de casa está sempre aberta para quem se lembra do caminho
Mas já são tantas as pessoas que não caminham temendo deixar o seu rasto no chão
Como marcas na lama para toda a gente ver e apontar, olhar de perto e até tocar
Todos nós que mentimos até acreditar, todos os que perdoamos e não esquecemos
Estamos sozinhos sem reparar, e sem respirar continuamos a pensar em viver
E guardados pela solidão esperaremos até nenhum coração bater
E se olharmos pela janela, até o vento parou para ver
Maria Gomes, in "Singularidades, nº25", Maio, 2005
MONSERRATE
Digo monserrate.
A palavra toca das suas inúmeras patas o meu corpo desviado.
...a concavidade do som que se desfaz em bola de
sabão sobre o terreiro que aquaticamente estala, os anos
que passam ao fundo...
Alexandre Vargas, in “Vento de Pedra”, Moraes Editores, Lisboa, 1981.
quinta-feira, setembro 22, 2005
LANÇAMENTO "ESTILHAÇOS DO ESPELHO DE ALICE"
Fernando Dias Antunes
Salto sem Rede
Verso Irreverso
Está decidido
Doravante como sempre aliás
Não há futuro nem ontem
Neste barco à deriva da razão
Vogando nos labirintos do prazer
Sem guia de bordo
Ou manual de sobrevivência
Ao leme só sonho e desejo
Ausência de horizontes
Não há abismo intransponível
Nem eu
Ancorado no buraco negro da realidade
As musas
Com todos os sentidos
No mar doce da tua pele
sorvendo o orvalho que escorre
do suor quente do teu cio
poro a poro me sacio
no musgo da tua fonte de sal e mel
O espírito do lugar
Goa bucólica
Sopra quente o vento tímido
nas margens verdes do rio
salpicado de nenúfares.
Dançam garças no arrozal
e a doce flauta de Krishna
insinua-se por entre o bambu
ondulando
nas ancas das lavadeiras.
Mistura-se o mel e a manga
no ébrio incenso do âmbar.
Enlaçam-se os corpos
sequiosos
na sombra fresca do palmar.
Ao longe, o repicar dos sinos
chama os deuses para a festa do desejo.
Fernando Dias Antunes
Salto sem Rede
Verso Irreverso
Está decidido
Doravante como sempre aliás
Não há futuro nem ontem
Neste barco à deriva da razão
Vogando nos labirintos do prazer
Sem guia de bordo
Ou manual de sobrevivência
Ao leme só sonho e desejo
Ausência de horizontes
Não há abismo intransponível
Nem eu
Ancorado no buraco negro da realidade
As musas
Com todos os sentidos
No mar doce da tua pele
sorvendo o orvalho que escorre
do suor quente do teu cio
poro a poro me sacio
no musgo da tua fonte de sal e mel
O espírito do lugar
Goa bucólica
Sopra quente o vento tímido
nas margens verdes do rio
salpicado de nenúfares.
Dançam garças no arrozal
e a doce flauta de Krishna
insinua-se por entre o bambu
ondulando
nas ancas das lavadeiras.
Mistura-se o mel e a manga
no ébrio incenso do âmbar.
Enlaçam-se os corpos
sequiosos
na sombra fresca do palmar.
Ao longe, o repicar dos sinos
chama os deuses para a festa do desejo.
Fernando Dias Antunes
MEMÓRIAS D´O OUTRO LADO DO ESPELHO
Prestamos a nossa homenagem à galeria de arte O OUTRO LADO DO ESPELHO que dinamizou as actividades culturais em Sintra nos finais dos anos 80 até a meio dos anos 90.
Aportaram os primeiros pedradores, em clans que buscavam refúgio, casa e a água miraculosa das fontes. Estávamos na era da Grande Mãe, a fértil parideira e o estranho magnetismo lunar da montanha levou-os a edificar o primeiro templo à nívea face da divindade.
Vieram os do fogo e do metal, alquimistas de civilizações desaparecidas, com sua religião megalítica. Deixaram as pedras sagradas, druídicas em lugares não casuais, envoltas nas brumas da Floresta Encantada.
Chegou o Grego e nome deu: Kynthia. Era a montanha da Deusa, Diana de Janas. O empreendedor Romano, suas vilas construiu em abundância, na idílica planície, olhando o mar que nunca lhe pertenceu. E o do Crescente, aqui lavou seu exílio em sangue, que o Português temerário, lhe não perdoou a conquista.
Desembarcaram reis, artistas, poetas. E a montanha ia-se tornando o painel gigantesco onde mãos inspiradas acrescentavam sempre um novo signo. Assim ela se transformou num imenso livro ou numa pintura. Só era necessário saber interpretar essa maravilhosa carta mitológica.
Os Grandes Solitários, os últimos pressentiram já que Cynthia desafiava todos os conceitos de realidade. O seu jogo decorria precisamente entre aquilo que nós sentíamos como real, e que não era mais do que uma aparência, e a imagem sem fuga que o espelho oferecia.
Chegaram por fim os dO OUTRO LADO DO ESPELHO. Agora sim, de uma vez por todas, alargava-se a realidade. Entrava-se por uma porta como todas as outras, mas de imediato nos apercebíamos que aqui começava qualquer coisa de diferente. Podia-se ficar ali horas esquecidas, que sempre um pormenor novo nos recordava, fugitivo, que estávamos já de facto nO OUTRO LADO DO ESPELHO. Sair dpara a lineridade das coisas, das caras, das ruas, era sempre difícil. Ao contrário de Alice, bastava-nos abrir os olhos para começar a sonhar.
Quanto a mim, desde esse dia que nunca mais saí dO OUTRO LADO DO ESPELHO.
Jorge Teles de Menezes
Aportaram os primeiros pedradores, em clans que buscavam refúgio, casa e a água miraculosa das fontes. Estávamos na era da Grande Mãe, a fértil parideira e o estranho magnetismo lunar da montanha levou-os a edificar o primeiro templo à nívea face da divindade.
Vieram os do fogo e do metal, alquimistas de civilizações desaparecidas, com sua religião megalítica. Deixaram as pedras sagradas, druídicas em lugares não casuais, envoltas nas brumas da Floresta Encantada.
Chegou o Grego e nome deu: Kynthia. Era a montanha da Deusa, Diana de Janas. O empreendedor Romano, suas vilas construiu em abundância, na idílica planície, olhando o mar que nunca lhe pertenceu. E o do Crescente, aqui lavou seu exílio em sangue, que o Português temerário, lhe não perdoou a conquista.
Desembarcaram reis, artistas, poetas. E a montanha ia-se tornando o painel gigantesco onde mãos inspiradas acrescentavam sempre um novo signo. Assim ela se transformou num imenso livro ou numa pintura. Só era necessário saber interpretar essa maravilhosa carta mitológica.
Os Grandes Solitários, os últimos pressentiram já que Cynthia desafiava todos os conceitos de realidade. O seu jogo decorria precisamente entre aquilo que nós sentíamos como real, e que não era mais do que uma aparência, e a imagem sem fuga que o espelho oferecia.
Chegaram por fim os dO OUTRO LADO DO ESPELHO. Agora sim, de uma vez por todas, alargava-se a realidade. Entrava-se por uma porta como todas as outras, mas de imediato nos apercebíamos que aqui começava qualquer coisa de diferente. Podia-se ficar ali horas esquecidas, que sempre um pormenor novo nos recordava, fugitivo, que estávamos já de facto nO OUTRO LADO DO ESPELHO. Sair dpara a lineridade das coisas, das caras, das ruas, era sempre difícil. Ao contrário de Alice, bastava-nos abrir os olhos para começar a sonhar.
Quanto a mim, desde esse dia que nunca mais saí dO OUTRO LADO DO ESPELHO.
Jorge Teles de Menezes
AGENDA DOS MENINOS D´AVÓ
Temas e sugestões apresentados no inicio da tertúlia:
A sessão de dia 21/09 foi a 18ª tornando esta tertúlia poética na mais douradora da actualidade.
Realização de uma feira do livro pela associação 3 pontos no fim de semana 24/25 de Setembro em Fontanelas.
Realização da primeira reunião da associação Alagamares e eleição dos seus corpos sociais.
Comemoração do terceiro aniversário do referendo que levou Timor Lorosae à independência.
Recordação de H.G. Wells.
Debate com os candidatos à câmara municipal de Sintra sobre cultura, realiza-se dia 26 de Setembro na casa do teatro de Sintra às 21h.
Sugestão de teatro: A Menina Júlia, obra de Strindberg levada a cena na casa de teatro de Sintra pelo grupo de teatro de Sintra.
A sessão de dia 21/09 foi a 18ª tornando esta tertúlia poética na mais douradora da actualidade.
Realização de uma feira do livro pela associação 3 pontos no fim de semana 24/25 de Setembro em Fontanelas.
Realização da primeira reunião da associação Alagamares e eleição dos seus corpos sociais.
Comemoração do terceiro aniversário do referendo que levou Timor Lorosae à independência.
Recordação de H.G. Wells.
Debate com os candidatos à câmara municipal de Sintra sobre cultura, realiza-se dia 26 de Setembro na casa do teatro de Sintra às 21h.
Sugestão de teatro: A Menina Júlia, obra de Strindberg levada a cena na casa de teatro de Sintra pelo grupo de teatro de Sintra.
terça-feira, setembro 20, 2005
OS MENINOS DA AVÓ:
A ideia é já antiga. Reunir poetas, actores, leitores, ouvintes. Reunir seres humanos em redor da mais acolhedora das lareiras: a Poesia. Saudosos de outras tertúlias que o tempo consumou e consumiu, sentimos chegada a hora de retomar o hábito de nos desabituarmos da vida em prosa. Ei-nos regressados ao convívio das palavras.
Nenhum lugar seria melhor do que a Casa da Avó para nos encontrarmos: última casa de pasto da Vila de Sintra, imagem de todas as casas de pasto, como aquela em que, um dia, Fernando Pessoa conheceu Bernardo Soares. Este lugar soube preservar a alma de Sintra e é isso mesmo que os visitantes mais avisados procuram e não a aborrecida assepsia dos ares condicionados das estações de metro ou das agências bancárias. É a isto mesmo que se chama património vivo da Humanidade. A alma.
Todas as primeiras e terceiras quartas-feiras de cada mês, pelas 22 horas, estaremos na Casa da Avó, junto ao Museu do Brinquedo na Vila de Sintra. Nas primeiras sessões de cada mês haverá um tema pré-determindao, na outra o tema será livre. Por aqui passaram e passam poetas, músicos, saltimbancos, marinheiros, errantes, visionários e todos os outros… e nós? Por que não?
A poesia está na rua. Não pisar.
Rui Lopo
Nenhum lugar seria melhor do que a Casa da Avó para nos encontrarmos: última casa de pasto da Vila de Sintra, imagem de todas as casas de pasto, como aquela em que, um dia, Fernando Pessoa conheceu Bernardo Soares. Este lugar soube preservar a alma de Sintra e é isso mesmo que os visitantes mais avisados procuram e não a aborrecida assepsia dos ares condicionados das estações de metro ou das agências bancárias. É a isto mesmo que se chama património vivo da Humanidade. A alma.
Todas as primeiras e terceiras quartas-feiras de cada mês, pelas 22 horas, estaremos na Casa da Avó, junto ao Museu do Brinquedo na Vila de Sintra. Nas primeiras sessões de cada mês haverá um tema pré-determindao, na outra o tema será livre. Por aqui passaram e passam poetas, músicos, saltimbancos, marinheiros, errantes, visionários e todos os outros… e nós? Por que não?
A poesia está na rua. Não pisar.
Rui Lopo
APRESENTAÇÃO DOS TATO
Os amigos brasileiros Katiane Negrão e Dico Ferreira (TATO Criação Cénica), apresentaram o seu espectáculo Tropeço, um conceito inovador de teatro de mãos que sensibilizou todos os presentes! Aos TATO agradecemos a sua presença, esperemos por nova visita em breve e desejamos muitas felicidades no futuro.
Teatro de mãos
LANÇAMENTO "IGNOTA FAUNA" DE PAULO BRITO E ABREU
«Ignota Fauna» é manobra e manifesto duma certa alteridade, do eubiótico e crítico direito à diferença. Essa diferença é o sonho, ou discurso do Outro, por isso mesmo, avisamos: o «Verbo Escuro» do Teixeira de Pascoaes é a «Noite Escura» e pura, do S. João da Cruz, de tal sorte que assertaremos: meninos de sua Mãe, todos os Poetas se alimentam, ou lactam, no úbere e nos peitos da Noite universal….
Paulo Brito e Abreu
Loas à IGNOTA FAUNA de Paulo Brito e Abreu
Disseram: o Paulo está passado. Retorquiram: mas não passou, nem nunca passará; passou-se da chatice vazia do vosso quotidiano, que é coisa bem diferente. E digam lá, sem inveja e com uma pontinha de sinceridade: quem não gostaria de se passar deste quotidiano achatante para um mundo muito melhor, como aquele tão beatnífico em que o Paulo navega seu carro alado, tal anjo mercurial? Vá, admitam, um poucochinho que nos baste, que viver, nem que seja por uns momentos no mundo do Paulo, é como respirar um halo de beatnítica beatitude, é deixar o Ser ser sacudido de camadas bolorentas e atrofiantes de hábitos e de um costumeiro ir sendo; é também sentir o fluxo vital que habita no seu espírito como uma dádiva da Graça (porque o Paulo é in-graçado!) tocar-nos, libertar em nós gargalhadas primordiais que não imaginávamos existirem nos absconsos do que somos; ah, o mundo do Paulo não é deste-mundo-aí-existente. Eis o nosso santo Paulo, aquele que nos devolve (se andarmos perdidos dela...) à inocência absoluta de existir, à criança anterior a todas as religiões instituídas, anterior a todos os sistemas de governação, anterior a todos os sofistas, teólogos e médicos; ele é aquele que nos deixa EXISTIR sem culpa, como crianças indomáveis. O Paulo é uma criança selvagem, por isso é santo. O Paulo é louco, por isso é santo. O Paulo não corta o cabelo, por isso é santo. O Paulo é santo, santo, santo!
- Oremos! – elevando nossos copos.
O Paulo é anarquista. O Paulo já fumou haxixe. O Paulo disse à tropa em guerra que a tropa dele eram os Rolling Stones. O Paulo desvirginou a filha de um oficial do exército. O Paulo foi por isso internado num manicómio e amou e foi amado pela psiquiatra que o ‘tratava’. O Paulo foi expulso de uma banda de rock and roll por querer revelar as suas profecias ao som do rock. O Paulo sub-viveu. Super-viveu. Sobre-viveu. O Paulo nasceu a protestar, foi nik beat, hippie, yippie, mas nunca um yuppie, por isso é santo. O Paulo é dionisíaco, por isso é santo. O Paulo toma banho uma vez por semana, por isso é santo. O Paulo é um inimigo de todos os sistemas políticos que recusam a emancipação da humanidade, por isso é santo. O Paulo é inrockuptível, por isso é santo.
- Oremos – elevando nossos copos.
O Paulo escreve loas à lua e cânticos imortais para a tua rebelião. O Paulo é prometaico e acredita que os poetas são possuídos de uma loucura inspirada pelos deuses, uma mania, por isso a sua ensaística é delirante, ela nasce da concessão pelas divinas potentades da faculdade da clarividência. Ele sabe, com Platão, que a alma é imortal porque ela se move a si mesma, é animada, e por isso o seu espírito é antigo, porque ele se recorda de já ter contemplado a verdade quando olha hoje para as coisas citéreas e constata que a mentira é a senhora deste mundo, a fomentadora da injustiça, porque o homem se esqueceu que um dia já contemplou a verdade das coisas e conheceu os mistérios supremos do Ser. Mas o Paulo não se deixa enganar pela mentira. Aliás, ele encontra-se aqui somente para receber as asas e partir, pois esta julgo eu ser a sua terceira reencarnação como filósofo, esteta e poeta. Agora que sabemos que o Paulo tem asas invisíveis e que ele transmigrará para junto dos eternos, digamos com convicção que é por as coisas serem assim que o Paulo é santo. E porque na sua rebelião de alma antiga ele não pode ser aceite em nenhum partido político ou grupo anarquista, digamos irmãos, com convicção, que o Paulo é santo. E porque o Paulo nos ama a todos na sua comovedora compaixão, repitamos: o Paulo é santo!
-Oremos! – levantando nossos copos.
Ouçamos, então, amigos, o delirante ensaísmo do Paulo, melhor seria dizer, os ensaios que a própria Loucura escreveu pela mão do Paulo. Não tenhais receio da loucura, irmãos, pois como diz Freud citado pelo Paulo, ‘em todos os tempos, aqueles que tinham alguma coisa a dizer, mas que não podiam dizê-la sem perigo, se cobriram com o barrete dos loucos.’
Considerandos para a Beatnificação de Paulo Brito
Perante esta tão digna assembleia de lunáticos con-frades e co-madres da Ordem de Cynthia, e outros ex-cêntricos e ana-crónicos Amigos aqui presentes, vimos postular, após uma investigação preliminar que confirmou por inequívocos testemunhos a sua fama de beatnikitude e de prática de heróicas virtudes, o Poeta de ‘Loas à Lua’ como membro da nossa intangível Ordem.
Ao estudar os seus escritos encontrei evidências claras da sua vida mística, que atinge os planos mais altos da contemplação e da profissão da simplicidade. Também não encontrei factos de ordem mística ou doutrinas desviantes que costumam atrasar estes processos. Postulamos, por conseguinte, à apreciação da Suma Sacerdotisa de Cynthia a beatnificação do Poeta de ‘A Minha Tropa Foram os Rolling Stones’.
Irmão beat e nik Paulo, fratre nostrum: junta-te a nós na celebração de tão auspicioso evento!
Jorge Telles de Menezes
A caminhada dos pacifistas
Caminham com flores brancas brilhando nos cabelos
Um cigarro rubro na mão direita
A matéria do poema renascendo
Nos seus lábios puros como trigo
A Revolução da paz cantada até ao Sol do alvorecer
Cantam músicas dos Beatles e dos Stones
E fumam ervas orientais até que o mesmo Sol
Dê luz às suas guitarras de mel e Parusia
Não falam de bombas mas sim de papoilas
Vermelhas como o sangue que lhes corre
Nas suas veias abençoadas
Nunca morrerão
O arcanjo do esterco
Em ti começa a bênção do piolho.
Em ti começam as avenidas porcas;
Passa por ti o corpo de Diógenes
E a barba dos primeiros cristãos…
Por isso eu vou atar a tua Loucura
À minha Santa Paranóia, rapariga
Piolhosa e despenteada.
Vou dar-te a minha penugem deslavada
E o meu sotaque americano;
Vamos saborear a Sabedoria do Silêncio
Em sacos velhos e rotos cheios de estrume,
Poetas sendo todos aqueles
Que queimam as suas narinas
Na carraça do tabaco
E na sífilis do vinho
Paulo Brito e Abreu, in "A minha Tropa foram os Rolling Stones"
Paulo Brito e Abreu
Loas à IGNOTA FAUNA de Paulo Brito e Abreu
Disseram: o Paulo está passado. Retorquiram: mas não passou, nem nunca passará; passou-se da chatice vazia do vosso quotidiano, que é coisa bem diferente. E digam lá, sem inveja e com uma pontinha de sinceridade: quem não gostaria de se passar deste quotidiano achatante para um mundo muito melhor, como aquele tão beatnífico em que o Paulo navega seu carro alado, tal anjo mercurial? Vá, admitam, um poucochinho que nos baste, que viver, nem que seja por uns momentos no mundo do Paulo, é como respirar um halo de beatnítica beatitude, é deixar o Ser ser sacudido de camadas bolorentas e atrofiantes de hábitos e de um costumeiro ir sendo; é também sentir o fluxo vital que habita no seu espírito como uma dádiva da Graça (porque o Paulo é in-graçado!) tocar-nos, libertar em nós gargalhadas primordiais que não imaginávamos existirem nos absconsos do que somos; ah, o mundo do Paulo não é deste-mundo-aí-existente. Eis o nosso santo Paulo, aquele que nos devolve (se andarmos perdidos dela...) à inocência absoluta de existir, à criança anterior a todas as religiões instituídas, anterior a todos os sistemas de governação, anterior a todos os sofistas, teólogos e médicos; ele é aquele que nos deixa EXISTIR sem culpa, como crianças indomáveis. O Paulo é uma criança selvagem, por isso é santo. O Paulo é louco, por isso é santo. O Paulo não corta o cabelo, por isso é santo. O Paulo é santo, santo, santo!
- Oremos! – elevando nossos copos.
O Paulo é anarquista. O Paulo já fumou haxixe. O Paulo disse à tropa em guerra que a tropa dele eram os Rolling Stones. O Paulo desvirginou a filha de um oficial do exército. O Paulo foi por isso internado num manicómio e amou e foi amado pela psiquiatra que o ‘tratava’. O Paulo foi expulso de uma banda de rock and roll por querer revelar as suas profecias ao som do rock. O Paulo sub-viveu. Super-viveu. Sobre-viveu. O Paulo nasceu a protestar, foi nik beat, hippie, yippie, mas nunca um yuppie, por isso é santo. O Paulo é dionisíaco, por isso é santo. O Paulo toma banho uma vez por semana, por isso é santo. O Paulo é um inimigo de todos os sistemas políticos que recusam a emancipação da humanidade, por isso é santo. O Paulo é inrockuptível, por isso é santo.
- Oremos – elevando nossos copos.
O Paulo escreve loas à lua e cânticos imortais para a tua rebelião. O Paulo é prometaico e acredita que os poetas são possuídos de uma loucura inspirada pelos deuses, uma mania, por isso a sua ensaística é delirante, ela nasce da concessão pelas divinas potentades da faculdade da clarividência. Ele sabe, com Platão, que a alma é imortal porque ela se move a si mesma, é animada, e por isso o seu espírito é antigo, porque ele se recorda de já ter contemplado a verdade quando olha hoje para as coisas citéreas e constata que a mentira é a senhora deste mundo, a fomentadora da injustiça, porque o homem se esqueceu que um dia já contemplou a verdade das coisas e conheceu os mistérios supremos do Ser. Mas o Paulo não se deixa enganar pela mentira. Aliás, ele encontra-se aqui somente para receber as asas e partir, pois esta julgo eu ser a sua terceira reencarnação como filósofo, esteta e poeta. Agora que sabemos que o Paulo tem asas invisíveis e que ele transmigrará para junto dos eternos, digamos com convicção que é por as coisas serem assim que o Paulo é santo. E porque na sua rebelião de alma antiga ele não pode ser aceite em nenhum partido político ou grupo anarquista, digamos irmãos, com convicção, que o Paulo é santo. E porque o Paulo nos ama a todos na sua comovedora compaixão, repitamos: o Paulo é santo!
-Oremos! – levantando nossos copos.
Ouçamos, então, amigos, o delirante ensaísmo do Paulo, melhor seria dizer, os ensaios que a própria Loucura escreveu pela mão do Paulo. Não tenhais receio da loucura, irmãos, pois como diz Freud citado pelo Paulo, ‘em todos os tempos, aqueles que tinham alguma coisa a dizer, mas que não podiam dizê-la sem perigo, se cobriram com o barrete dos loucos.’
Considerandos para a Beatnificação de Paulo Brito
Perante esta tão digna assembleia de lunáticos con-frades e co-madres da Ordem de Cynthia, e outros ex-cêntricos e ana-crónicos Amigos aqui presentes, vimos postular, após uma investigação preliminar que confirmou por inequívocos testemunhos a sua fama de beatnikitude e de prática de heróicas virtudes, o Poeta de ‘Loas à Lua’ como membro da nossa intangível Ordem.
Ao estudar os seus escritos encontrei evidências claras da sua vida mística, que atinge os planos mais altos da contemplação e da profissão da simplicidade. Também não encontrei factos de ordem mística ou doutrinas desviantes que costumam atrasar estes processos. Postulamos, por conseguinte, à apreciação da Suma Sacerdotisa de Cynthia a beatnificação do Poeta de ‘A Minha Tropa Foram os Rolling Stones’.
Irmão beat e nik Paulo, fratre nostrum: junta-te a nós na celebração de tão auspicioso evento!
Jorge Telles de Menezes
A caminhada dos pacifistas
Caminham com flores brancas brilhando nos cabelos
Um cigarro rubro na mão direita
A matéria do poema renascendo
Nos seus lábios puros como trigo
A Revolução da paz cantada até ao Sol do alvorecer
Cantam músicas dos Beatles e dos Stones
E fumam ervas orientais até que o mesmo Sol
Dê luz às suas guitarras de mel e Parusia
Não falam de bombas mas sim de papoilas
Vermelhas como o sangue que lhes corre
Nas suas veias abençoadas
Nunca morrerão
O arcanjo do esterco
Em ti começa a bênção do piolho.
Em ti começam as avenidas porcas;
Passa por ti o corpo de Diógenes
E a barba dos primeiros cristãos…
Por isso eu vou atar a tua Loucura
À minha Santa Paranóia, rapariga
Piolhosa e despenteada.
Vou dar-te a minha penugem deslavada
E o meu sotaque americano;
Vamos saborear a Sabedoria do Silêncio
Em sacos velhos e rotos cheios de estrume,
Poetas sendo todos aqueles
Que queimam as suas narinas
Na carraça do tabaco
E na sífilis do vinho
Paulo Brito e Abreu, in "A minha Tropa foram os Rolling Stones"
LANÇAMENTO "CANTOS DE AMOR" DO VI DALAI LAMA
A presente obra, juntamente com o seu autor, constituem certamente um dos casos mais singulares de toda a história da literatura e da espiritualidade. Nestes Cantos de Amor, Lobsang Rigdzin Tsangyang Gyatso, “Precioso Oceano de Pura Melodia”, o VI Dalai Lama, elo da respeitável e venerável linhagem de incarnações de Chenrezig, o bodhisattva da compaixão e protector do Tibete, que desde o século XV até ao presente assume a suprema autoridade espiritual e política tibetana, nada oculta de tudo o que lhe valeu a fama de poeta boémio, libertino, rebelde e iconoclasta, e que contribuiu para a sua curta vida e o seu fim trágico.
Paulo Borges, 5º DIA DO 3º MÊS DO ANO DA AVE DE MADEIRA (2005)
Paulo Borges, 5º DIA DO 3º MÊS DO ANO DA AVE DE MADEIRA (2005)
CANTO DA VIAGEM
Sobre as altas montanhas do Este
Ergue-se a lua, clara e branca.
No meu espírito revoluteia
A eternidade do teu rosto.
CANTO DE LHASA
Pavões da Índia oriental,
Papagaios das profundezas de Kongpo,
Nascidos embora em países distintos
Em Lhasa se reencontram, onde gira a Roda do Dharma.
CANTO DE UM JOVEM AMANTE
Ó florescente malva-rosa,
Se ofereces a tua glória ao templo,
Leva-me nas tuas pétalas,
A mim, a jovem abelha turquesa!
CANTO DA AUSÊNCIA
Minha amada desde a infância
Não é ela irmã do lobo?
Saciada de carne, farta de amor,
Regressa à sua montanha!
CANTO DA EXPERIÊNCIA
Quando se extingue a estação das flores
Não se afligem as abelhas.
Quando finda a estação dos corações
Não se entristecem os amantes.
CANTO TÂNTRICO
A pura água de neve da santa Montanha de Cristal,
As gotas de orvalho da adamantina erva dos Nagas,
Essência da ambrósia fermentada pela Filha do espaço
De sabedoria
Incarnada como uma taberneira,
Do renascimento nos reinos inferiores os
Bebedores salva
Se o néctar haurido for com espírito sábio!
(Tradução feita por Paulo Borges)
DE SÚBITO, LORD BYRON!
“He was also a great poet and wished to be admired: two incompatible desires, and an immense source of unhappiness for him”
(Stendhal, “Memories of Lord Byron, 1829)
Precisamente numa quarta-feira de Primavera deste ano, George Gordon, mais conhecido pelo seu nome aristocrático, Lord Byron, regressou a Sintra. Havia o vento, algum calor mas nem sombra da auréola de neblina que verte um ambiente de mistério à vila. Noite de azul profundo, perfumada por inúmeras ervas e flores aromáticas; de um silêncio absoluto em harmonia com as sensações e sentidos, como se um segredo fundamental estivesse disposto a revelar-se. Nesta paisagem romântica e sensorial, um pouco acima do Museu do Brinquedo, na Casa da Avó, poetas e admiradores do lírico, chamados de “Meninos d’Avó”, iniciavam mais um dos habituais encontros poéticos. Então, de súbito, numa deslocação instantânea, Lord Byron surgiu com um grosso volume entre os delicados dedos, atravessou o salão e sentou-se, pedindo discretamente uma taça de vinho tinto à Paula, a dona do simpático local, que também é desenhista nos momentos de ócio. O seu belo porte cintilava e os olhos não escondiam um destino plúmbeo, uma melancolia acentuada e um caráter excepcional. Pronto para conceder poemas inéditos, guardados na memória durante quase dois séculos, desvendando assim a Serra da Lua e sua concentração de energia visionária. A passagem do poeta inglês por Sintra, em julho de 1809, dera origem a versos: “Ó minha Sintra, és cá um Paraíso glorioso / mas o capacete de neblina que trazes sempre na tromba / Faz-me sentir saudoso / da minha solarenga Albiona / Bem, sempre é melhor fugir para Missalonga com um marujo português / E quem fala assim não é coxo / Como eu” (Tradução de Mário Nafarros, anos 50). Retratou-a como bela e enigmática, não tendo em grande conta o caráter dos portugueses, ditando-lhe algumas critícas lendárias que ainda hoje silvam como um látego no poema ”Childe Harold’s Pilgrimage”. Ele lembrava-se de tudo isso, os olhos piscando por momentos como asas de colibri – quase um adormecimento ou um princípio de desmaio, talvez fadado a tornar-se forma espectral. Ficou como que no centro de um palco, ao alcance do meu olhar semicerrado a acompanhar os seus movimentos. O que fazia Byron na Casa da Avó? Ou o que é a Casa da Avó? Calma, meu caro leitor. Eu explico direitinho.
O local foi fundado durante a I Guerra Mundial por uma velha camponesa viúva, avó Madalena, de uma estirpe de muitos filhos e netos, dois deles ainda vivos. É uma casa de pasto (restaurante popular com receitas caseiras) que mantém a velha tradição, conduzida atualmente com boa vontade por Paula e Luis Ribeiro. Quinzenalmente, às quartas, os Meninos d’Avó reúnem-se para ler ou ouvir poesia na pequena sala do restaurante, entre muito vinho e, por vezes, um suculento bacalhau à Brás. Organizam noites temáticas (a mais recente delas, Revolução, com poemas de Pablo Neruda, José Gomes Ferreira, etc.) e homenageiam poetas, porém quase sempre o tema é livre. Por lá já passaram figuras supimpas: Paulo Brito e Abreu, Fátima Freitas, Risoleta Pinto Pedro e tantos outros. Os talentosos Carlos Pinto e José Ricardo – o angelical Zezinho! - respectivamente engenheiro de som e fotógrafo, estão sempre presentes, atentos, embora nunca abram a boca para a récita. Atores mostram sua verve, desde Rui Mário, do Tapafuros a Nuno Vicente, do Utopia. Rui Lopo, Jorge Telles de Menezes e Rui Bráz dirigem sutilmente o espétaculo, sempre dando preferência ao espontâneo. Menezes, autor do vibrante “Selenographia in Cynthia”, interpreta poemas de forma pausada, sentida, com uma voz grave, carregada de vivências. Na noite em que recebemos a visita de Byron, leu poetas germânicos do pós-guerra traduzidos por ele próprio. É um grande escritor, poeta, ensaísta e tradutor à procura de um editor com consistência. Procurando superar a timidez e uma tendência para mergulhar numa emoção intensa e contida, pouco a pouco, vou tomando o gosto da “performance interiorizada”. Considero-me, e com um certo deleite, um dos Meninos d’Avó. Esse é o panorama, a geléia geral: poetas abrem a boca e lêem poemas, seus ou de nomes mais sonantes.
Assim, entre nós, entusiasmados espíritos delirantes, Lord Byron, com uma voz aveludada e magnética, clara e firme, sem esconder rasgos de sensibilidade, falou sobre Drummond, Mário e Oswald de Andrade; a seguir leu o brasileiro Carlos Oliveira. Durante o sarau continuou com uma série de leituras carismáticas, pontuada com reflexões literárias cheias de desenvoltura e sensibilidade. Sua beleza luminosa, de estampa de cinema, provocou encabulamentos. E êxtase, como foi o meu caso. Parecendo que por dentro estava a arder e, ao mesmo tempo, tomado por um gélido e discreto embaraço, o poeta disse-nos o seu nome: Antonio Cortez. Ah, Byron, que pseudônimo, que alter-ego, que heterônimo, que personagem, que verso vivo, que possessão espetacular! Cortez, Antonio Cortez, sim, gosto, admirável eleição. Pouco depois da meia noite, cumprida a sua missão, ele partiu, despedindo-se amavelmente e deixando a promessa de voltar. Cheguei a imaginar um indômito alazão negro à sua espera. Enfeitiçado, prestes a rebentar de luminosidade, levantei os olhos e vi o fundo dos seus olhos. Lá estava a sua história, a história de um aventureiro que viveu dores insuportáveis, que tinha um leque de preocupações humanitárias muito para além do seu tempo, que escandalizou o mundo pela sua pose elegante e as várias relações afetivas de ambos os sexos, que deixou uma obra romântica de profundo interesse.
Toda a criação de Lord Byron está trespassada pelo pessimismo, revolta contra os outros e contra a sociedade, podendo ser vista como um grande painel autobiográfico. Apesar da violenta ironia, do tom declarado de rebeldia, a melancolia quase sempre acompanha os seus versos. O poeta era um sofredor de amor, um apaixonado, caçava a ânsia do infinito e foi rotulado como louco, devido ao seu desprezo pelas regras do comportamento social, que acabaram por fazer dele um ser socialmente rejeitado e, ao mesmo tempo, invejado pela sua originalidade e pelo seu gênio criador. Alma inquieta e aventureira, com desejos libertários, tal e como escreveu no seu poema “O Corsário”, Byron legou-nos também frases célebres como esta: “O passado é sem dúvida o melhor profeta do futuro”.
Nasceu em Londres no congelante 22 de Janeiro de 1788, numa família à beira da ruína econômica. Com uma malformação congênita num dos pés, o que lhe provocou um visível coxear, mesmo assim o nosso protagonista viria a destacar-se em esportes como o boxe e a natação. Sua mãe, Catherine, uma mulher superprotetora e com certa alteração psicológica, focalizava no filho único todas as desgraças que aconteciam na sua vida. Aos nove anos, faleceu seu tio avô – o quinto Lord Byron - deixando o sobrinho neto como depositário do título familiar. Torna-se um jovem de beleza invulgar e no Trinity College de Cambridge é apelidado de “bom garoto” por seu carisma e excelente disposição. Em 1806, aos 18 anos, publica o seu primeiro poemário, mal recebido pela crítica, intitulado “Horas Ociosas”. Nessa altura, a Inglaterra prosperava em plena evolução industrial e Byron, dando rédeas à sua ânsia de aventura, iniciou em 1809 uma viagem por vários países mediterrâneos: Portugal, Espanha, Grécia, Turquia. Foi nesse tempo errante que passou alguns dias em Sintra e aqui começou a escrever “As Peregrinações de Childe Harold” – seu alter ego literário -, protagonista de mil avatares poéticos.
Cantadas por vozes relevantes da literatura portuguesa – Luís Vaz de Camões, Gil Vicente, Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Ramalho Urtigão, Teixeira de Pascoaes, Ferreira de Castro, Vergílio Ferreira e José Saramago, entre tantos – e do romantismo inglês – William Beckford, Robert Southey - as paisagens idílicas de Sintra sempre encantaram os viajantes e turistas de ocasião, que aqui procuram o grandioso cenário de uma natureza pagã e sagrada. Esta natureza deslumbrou Lord Byron como um romântico que se revia nela, e ele soube apreciar a solidão dos lugares tranquilos, escrevendo que “a vilazinha de Sintra é talvez a mais bela de todo o mundo”. Admirador de Beckford (1760-1844), um escritor milionário que teve grande influência na sua obra e que se instalou durante poucos anos na admirável e sintrense Quinta e Palácio de Monserrate, escreveu sobre a vivenda lusa do autor de “Vathek” (1786): “Aqui moraste, e aqui sonhaste ser feliz, vendo ao longe a montanha: a beleza imutável. Agora, este local parece amaldiçoado: teu palácio está só como tu próprio és só”. Na sua carta a Francis Hodgson, escrita a 16 de Julho de 1809, podemos ver que se apaixonou pela paisagem da mística e mítica vila, deixando-se fascinar por sua exuberância natural, escrevendo-a em versos como “The Glorious Eden”, com o mesmo ardor e magnificência do local reconhecidos mais de meio século depois pelo notável escritor português Eça de Queirós (1845-1900). O autor de “Os Maias” (1888) interpretou Sintra com uma visão pessoal e emotiva, que é recordada sob a expressão “Sintra Queirosiana”, e pode-se afirmar que ela está presente em quase toda a sua fértil obra. Ainda antes do ídilio de Byron, outro poeta britânico, Robert Southey (1744-1843), estendeu os olhos pela cenografia sintrense, chamando-a “o mais abençoado torrão de todo o globo habitável”. Byron, um dos maiores poetas de língua inglesa, esteve hospedado na Estalagem dos Cavaleiros e todas as suas aventuras e desventuras em terra portuguesa são narradas num livro de Alberto Teles publicado em 1879.
A fama do furacão romântico foi crescendo e o regresso em 1811 de sua peripécia européia foi aclamado nos melhores salões londrinos. Todos quiseram tê-lo como convidado e atribuíram-lhe centenas de romances com mulheres e homens. No entanto, foi Annabella Mibanke quem o levou ao altar em Janeiro de 1815. Onze meses mais tarde nasceu sua filha Augusta Ada. Por então, a polêmica e o escândalo já haviam salpicado sua vida. Acabou por ser acusado publicamente de sodomia e de incesto, este último, ao que parece, porque foi visto em atitude demasiado carinhosa com uma irmanastra chamada Augusta. Annabella abandonou-o e ele, sob os rumores e o provável julgamento, decidiu deixar o seu país sem intenção de regressar.
Esteve em Bruxelas e dali a Suíça, onde fez amizade com Mary e Percy Shelley, John Polidori e Claire Clairmont. Com os seus novos amigos e, por que não dizer, amantes, navegou por lagos e organizou veladas literárias em que propôs a criação de novelas macabras. Desse modo, Polidori inspirou-se em Byron para escrever sua novela “O Vampiro”, semente de todo um gênero, enquanto que Mary Shelley concebeu “Frankenstein”, aproximando-se do mito do novo Prometeu. Byron incrementou sua já por si fértil criatividade quando se estabeleceu em Itália. Dali apoiou causas libertadoras, publicando também textos imortais como “Manfred”. Em 1822, com apenas 34 anos, mergulhado numa melancolia cada vez mais abrumadora, procura combatê-la viajando pela Grécia, disposto a lutar pela liberdade dos gregos frente ao poder otomano. Foi recebido como herói, mas em pouco tempo, ferido, contraiu uma febre que o levou à morte a 19 de Abril de 1824. Morreu na praia, dizendo para um amigo que o acompanhava: “É chegada a ocasião de descansar!”.
Poeta de amores perdidos, ocultos dos olhares alheios, recorreu à simbologia dos elementos naturais para cantar seu dilema existencial, muitas vezes envolvido por presságios e morte. Além da ironia que revela nos seus versos e de uma certa ruptura com a temática romântica, denunciou um leque de preocupações muito adiante do seu tempo, muito de hoje. Donjuanesco, de temperamento forte, sensualidade vibrante e possuidor de grande poder de comunicação, produziu poemas de uma fúria inaudita, emblemáticos da violência que o escritor exerce sobre si próprio. Egocentrista, apesar de procurar desesperadamente a união dos seres e dos espíritos, morreu sem encontrar as atenções nem ouvir os aplausos que julgaria merecidos.
Tumultuoso e sutil. Assim foi o meu encontro com Lord Byron numa noite voluptuosa de Primavera, de atmosfera enigmática e perfumada. O que nele encontrei relato-o nesta crônica que acaba de ler, meu caro leitor. Sem nenhuma invenção. O George Gordon, o Byron, o poeta romântico e desiludido, o Cortez, partiu pouco depois da meia-noite, numa visão sobrenatural, não compartilhada por todos os presentes. Tomou um caminho tão solitário como o das estrelas. Logo a seguir também eu deixei a Casa da Avó; era-me impossível sufocar a convulsão que me arrancava dos laços terrenos e, a caminho da estação ferroviária, notei que as pontas dos ramos das árvores incendiavam-se numa luz violeta pálida, e os troncos passavam gradualmente da púrpura ao negro. Uma linha de luz violeta, como uma teia de néon, destacava o serpentário da Serra, num belo efeito plástico. Noite sombria, inquietante, mas duma suavidade de efeitos mágicos. Então, soltei o meu choro, feliz, pressentindo que é das trevas, do mais oculto e profundo, que nascem a luz, as fábulas e as mais irresistíveis palpitações.
Antonio Naud Júnior - Sintra
Bibliografia:
Coleção “Gigantes da Literatura Universal”, Editora Verbo, Lisboa, 1972;
Macbeth, Georges. “Lord Byron”, Longman Group, Essex, 1979;
Rodil, João. “Serra, Luas e Literatura”, Veredas-Sintra Editora, Sintra, 1995
(Stendhal, “Memories of Lord Byron, 1829)
Precisamente numa quarta-feira de Primavera deste ano, George Gordon, mais conhecido pelo seu nome aristocrático, Lord Byron, regressou a Sintra. Havia o vento, algum calor mas nem sombra da auréola de neblina que verte um ambiente de mistério à vila. Noite de azul profundo, perfumada por inúmeras ervas e flores aromáticas; de um silêncio absoluto em harmonia com as sensações e sentidos, como se um segredo fundamental estivesse disposto a revelar-se. Nesta paisagem romântica e sensorial, um pouco acima do Museu do Brinquedo, na Casa da Avó, poetas e admiradores do lírico, chamados de “Meninos d’Avó”, iniciavam mais um dos habituais encontros poéticos. Então, de súbito, numa deslocação instantânea, Lord Byron surgiu com um grosso volume entre os delicados dedos, atravessou o salão e sentou-se, pedindo discretamente uma taça de vinho tinto à Paula, a dona do simpático local, que também é desenhista nos momentos de ócio. O seu belo porte cintilava e os olhos não escondiam um destino plúmbeo, uma melancolia acentuada e um caráter excepcional. Pronto para conceder poemas inéditos, guardados na memória durante quase dois séculos, desvendando assim a Serra da Lua e sua concentração de energia visionária. A passagem do poeta inglês por Sintra, em julho de 1809, dera origem a versos: “Ó minha Sintra, és cá um Paraíso glorioso / mas o capacete de neblina que trazes sempre na tromba / Faz-me sentir saudoso / da minha solarenga Albiona / Bem, sempre é melhor fugir para Missalonga com um marujo português / E quem fala assim não é coxo / Como eu” (Tradução de Mário Nafarros, anos 50). Retratou-a como bela e enigmática, não tendo em grande conta o caráter dos portugueses, ditando-lhe algumas critícas lendárias que ainda hoje silvam como um látego no poema ”Childe Harold’s Pilgrimage”. Ele lembrava-se de tudo isso, os olhos piscando por momentos como asas de colibri – quase um adormecimento ou um princípio de desmaio, talvez fadado a tornar-se forma espectral. Ficou como que no centro de um palco, ao alcance do meu olhar semicerrado a acompanhar os seus movimentos. O que fazia Byron na Casa da Avó? Ou o que é a Casa da Avó? Calma, meu caro leitor. Eu explico direitinho.
O local foi fundado durante a I Guerra Mundial por uma velha camponesa viúva, avó Madalena, de uma estirpe de muitos filhos e netos, dois deles ainda vivos. É uma casa de pasto (restaurante popular com receitas caseiras) que mantém a velha tradição, conduzida atualmente com boa vontade por Paula e Luis Ribeiro. Quinzenalmente, às quartas, os Meninos d’Avó reúnem-se para ler ou ouvir poesia na pequena sala do restaurante, entre muito vinho e, por vezes, um suculento bacalhau à Brás. Organizam noites temáticas (a mais recente delas, Revolução, com poemas de Pablo Neruda, José Gomes Ferreira, etc.) e homenageiam poetas, porém quase sempre o tema é livre. Por lá já passaram figuras supimpas: Paulo Brito e Abreu, Fátima Freitas, Risoleta Pinto Pedro e tantos outros. Os talentosos Carlos Pinto e José Ricardo – o angelical Zezinho! - respectivamente engenheiro de som e fotógrafo, estão sempre presentes, atentos, embora nunca abram a boca para a récita. Atores mostram sua verve, desde Rui Mário, do Tapafuros a Nuno Vicente, do Utopia. Rui Lopo, Jorge Telles de Menezes e Rui Bráz dirigem sutilmente o espétaculo, sempre dando preferência ao espontâneo. Menezes, autor do vibrante “Selenographia in Cynthia”, interpreta poemas de forma pausada, sentida, com uma voz grave, carregada de vivências. Na noite em que recebemos a visita de Byron, leu poetas germânicos do pós-guerra traduzidos por ele próprio. É um grande escritor, poeta, ensaísta e tradutor à procura de um editor com consistência. Procurando superar a timidez e uma tendência para mergulhar numa emoção intensa e contida, pouco a pouco, vou tomando o gosto da “performance interiorizada”. Considero-me, e com um certo deleite, um dos Meninos d’Avó. Esse é o panorama, a geléia geral: poetas abrem a boca e lêem poemas, seus ou de nomes mais sonantes.
Assim, entre nós, entusiasmados espíritos delirantes, Lord Byron, com uma voz aveludada e magnética, clara e firme, sem esconder rasgos de sensibilidade, falou sobre Drummond, Mário e Oswald de Andrade; a seguir leu o brasileiro Carlos Oliveira. Durante o sarau continuou com uma série de leituras carismáticas, pontuada com reflexões literárias cheias de desenvoltura e sensibilidade. Sua beleza luminosa, de estampa de cinema, provocou encabulamentos. E êxtase, como foi o meu caso. Parecendo que por dentro estava a arder e, ao mesmo tempo, tomado por um gélido e discreto embaraço, o poeta disse-nos o seu nome: Antonio Cortez. Ah, Byron, que pseudônimo, que alter-ego, que heterônimo, que personagem, que verso vivo, que possessão espetacular! Cortez, Antonio Cortez, sim, gosto, admirável eleição. Pouco depois da meia noite, cumprida a sua missão, ele partiu, despedindo-se amavelmente e deixando a promessa de voltar. Cheguei a imaginar um indômito alazão negro à sua espera. Enfeitiçado, prestes a rebentar de luminosidade, levantei os olhos e vi o fundo dos seus olhos. Lá estava a sua história, a história de um aventureiro que viveu dores insuportáveis, que tinha um leque de preocupações humanitárias muito para além do seu tempo, que escandalizou o mundo pela sua pose elegante e as várias relações afetivas de ambos os sexos, que deixou uma obra romântica de profundo interesse.
Toda a criação de Lord Byron está trespassada pelo pessimismo, revolta contra os outros e contra a sociedade, podendo ser vista como um grande painel autobiográfico. Apesar da violenta ironia, do tom declarado de rebeldia, a melancolia quase sempre acompanha os seus versos. O poeta era um sofredor de amor, um apaixonado, caçava a ânsia do infinito e foi rotulado como louco, devido ao seu desprezo pelas regras do comportamento social, que acabaram por fazer dele um ser socialmente rejeitado e, ao mesmo tempo, invejado pela sua originalidade e pelo seu gênio criador. Alma inquieta e aventureira, com desejos libertários, tal e como escreveu no seu poema “O Corsário”, Byron legou-nos também frases célebres como esta: “O passado é sem dúvida o melhor profeta do futuro”.
Nasceu em Londres no congelante 22 de Janeiro de 1788, numa família à beira da ruína econômica. Com uma malformação congênita num dos pés, o que lhe provocou um visível coxear, mesmo assim o nosso protagonista viria a destacar-se em esportes como o boxe e a natação. Sua mãe, Catherine, uma mulher superprotetora e com certa alteração psicológica, focalizava no filho único todas as desgraças que aconteciam na sua vida. Aos nove anos, faleceu seu tio avô – o quinto Lord Byron - deixando o sobrinho neto como depositário do título familiar. Torna-se um jovem de beleza invulgar e no Trinity College de Cambridge é apelidado de “bom garoto” por seu carisma e excelente disposição. Em 1806, aos 18 anos, publica o seu primeiro poemário, mal recebido pela crítica, intitulado “Horas Ociosas”. Nessa altura, a Inglaterra prosperava em plena evolução industrial e Byron, dando rédeas à sua ânsia de aventura, iniciou em 1809 uma viagem por vários países mediterrâneos: Portugal, Espanha, Grécia, Turquia. Foi nesse tempo errante que passou alguns dias em Sintra e aqui começou a escrever “As Peregrinações de Childe Harold” – seu alter ego literário -, protagonista de mil avatares poéticos.
Cantadas por vozes relevantes da literatura portuguesa – Luís Vaz de Camões, Gil Vicente, Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Ramalho Urtigão, Teixeira de Pascoaes, Ferreira de Castro, Vergílio Ferreira e José Saramago, entre tantos – e do romantismo inglês – William Beckford, Robert Southey - as paisagens idílicas de Sintra sempre encantaram os viajantes e turistas de ocasião, que aqui procuram o grandioso cenário de uma natureza pagã e sagrada. Esta natureza deslumbrou Lord Byron como um romântico que se revia nela, e ele soube apreciar a solidão dos lugares tranquilos, escrevendo que “a vilazinha de Sintra é talvez a mais bela de todo o mundo”. Admirador de Beckford (1760-1844), um escritor milionário que teve grande influência na sua obra e que se instalou durante poucos anos na admirável e sintrense Quinta e Palácio de Monserrate, escreveu sobre a vivenda lusa do autor de “Vathek” (1786): “Aqui moraste, e aqui sonhaste ser feliz, vendo ao longe a montanha: a beleza imutável. Agora, este local parece amaldiçoado: teu palácio está só como tu próprio és só”. Na sua carta a Francis Hodgson, escrita a 16 de Julho de 1809, podemos ver que se apaixonou pela paisagem da mística e mítica vila, deixando-se fascinar por sua exuberância natural, escrevendo-a em versos como “The Glorious Eden”, com o mesmo ardor e magnificência do local reconhecidos mais de meio século depois pelo notável escritor português Eça de Queirós (1845-1900). O autor de “Os Maias” (1888) interpretou Sintra com uma visão pessoal e emotiva, que é recordada sob a expressão “Sintra Queirosiana”, e pode-se afirmar que ela está presente em quase toda a sua fértil obra. Ainda antes do ídilio de Byron, outro poeta britânico, Robert Southey (1744-1843), estendeu os olhos pela cenografia sintrense, chamando-a “o mais abençoado torrão de todo o globo habitável”. Byron, um dos maiores poetas de língua inglesa, esteve hospedado na Estalagem dos Cavaleiros e todas as suas aventuras e desventuras em terra portuguesa são narradas num livro de Alberto Teles publicado em 1879.
A fama do furacão romântico foi crescendo e o regresso em 1811 de sua peripécia européia foi aclamado nos melhores salões londrinos. Todos quiseram tê-lo como convidado e atribuíram-lhe centenas de romances com mulheres e homens. No entanto, foi Annabella Mibanke quem o levou ao altar em Janeiro de 1815. Onze meses mais tarde nasceu sua filha Augusta Ada. Por então, a polêmica e o escândalo já haviam salpicado sua vida. Acabou por ser acusado publicamente de sodomia e de incesto, este último, ao que parece, porque foi visto em atitude demasiado carinhosa com uma irmanastra chamada Augusta. Annabella abandonou-o e ele, sob os rumores e o provável julgamento, decidiu deixar o seu país sem intenção de regressar.
Esteve em Bruxelas e dali a Suíça, onde fez amizade com Mary e Percy Shelley, John Polidori e Claire Clairmont. Com os seus novos amigos e, por que não dizer, amantes, navegou por lagos e organizou veladas literárias em que propôs a criação de novelas macabras. Desse modo, Polidori inspirou-se em Byron para escrever sua novela “O Vampiro”, semente de todo um gênero, enquanto que Mary Shelley concebeu “Frankenstein”, aproximando-se do mito do novo Prometeu. Byron incrementou sua já por si fértil criatividade quando se estabeleceu em Itália. Dali apoiou causas libertadoras, publicando também textos imortais como “Manfred”. Em 1822, com apenas 34 anos, mergulhado numa melancolia cada vez mais abrumadora, procura combatê-la viajando pela Grécia, disposto a lutar pela liberdade dos gregos frente ao poder otomano. Foi recebido como herói, mas em pouco tempo, ferido, contraiu uma febre que o levou à morte a 19 de Abril de 1824. Morreu na praia, dizendo para um amigo que o acompanhava: “É chegada a ocasião de descansar!”.
Poeta de amores perdidos, ocultos dos olhares alheios, recorreu à simbologia dos elementos naturais para cantar seu dilema existencial, muitas vezes envolvido por presságios e morte. Além da ironia que revela nos seus versos e de uma certa ruptura com a temática romântica, denunciou um leque de preocupações muito adiante do seu tempo, muito de hoje. Donjuanesco, de temperamento forte, sensualidade vibrante e possuidor de grande poder de comunicação, produziu poemas de uma fúria inaudita, emblemáticos da violência que o escritor exerce sobre si próprio. Egocentrista, apesar de procurar desesperadamente a união dos seres e dos espíritos, morreu sem encontrar as atenções nem ouvir os aplausos que julgaria merecidos.
Tumultuoso e sutil. Assim foi o meu encontro com Lord Byron numa noite voluptuosa de Primavera, de atmosfera enigmática e perfumada. O que nele encontrei relato-o nesta crônica que acaba de ler, meu caro leitor. Sem nenhuma invenção. O George Gordon, o Byron, o poeta romântico e desiludido, o Cortez, partiu pouco depois da meia-noite, numa visão sobrenatural, não compartilhada por todos os presentes. Tomou um caminho tão solitário como o das estrelas. Logo a seguir também eu deixei a Casa da Avó; era-me impossível sufocar a convulsão que me arrancava dos laços terrenos e, a caminho da estação ferroviária, notei que as pontas dos ramos das árvores incendiavam-se numa luz violeta pálida, e os troncos passavam gradualmente da púrpura ao negro. Uma linha de luz violeta, como uma teia de néon, destacava o serpentário da Serra, num belo efeito plástico. Noite sombria, inquietante, mas duma suavidade de efeitos mágicos. Então, soltei o meu choro, feliz, pressentindo que é das trevas, do mais oculto e profundo, que nascem a luz, as fábulas e as mais irresistíveis palpitações.
Antonio Naud Júnior - Sintra
Bibliografia:
Coleção “Gigantes da Literatura Universal”, Editora Verbo, Lisboa, 1972;
Macbeth, Georges. “Lord Byron”, Longman Group, Essex, 1979;
Rodil, João. “Serra, Luas e Literatura”, Veredas-Sintra Editora, Sintra, 1995
«ELES NÃO SABEM NEM SONHAM... QUE O SONHO COMANDA A VIDA»
No meu sonho há um lugar onde operários partilham a mesa com estudantes, cocheiros que amachucam a boina por entre pedidos de vinho, pessoas que ouvem poesia no intervalo das suas vidas, adolescentes a pedir “cornettos”, túneis feéricos para furar a imaginação mística, turistas que se fartaram do “voucher”, crianças no parque a brincar com lança-beijos na palma da mão, cantando e rindo dos muros de tijolo que caíram como todos os outros. «Na Terra dos Sonhos podes ser quem tu és, ninguém te leva a mal… na Terra dos Sonhos, toda a “gente” trata a gente toda por igual»
A colher de Freud bate no chão, interrompe o sonho de Dali em noite de Gala, derrete-se o tempo em bons momentos. Acordo, mas não quero acordar.
Ao rosto sereno e descontraído do Luís, ao sorriso rasgado da Paula e a toda a família “Casa D´Avó”. Bem hajam!
Acordo, mas não quero acordar.
Paulo Paixão (Pajó)
LANÇAMENTO DO CADERNO POÉTICO VIOLA DELTA Nº 40
Já se cumpriram vinte e oito anos desde que saiu, por mim organizado e com a chancela de Edições Mic, o primeiro volume dos cadernos de poesia “VIOLA DELTA”. Pomos na rua, agora o nº 40.
É evidente que jamais esperei, quase três décadas depois, ainda estar aqui com este tipo de conversa. Decerto que me transformei num arengador algo saudoso, mas compreende-se. O “VIOLA DELTA” acabou por vestir a pele, neste interim, de o mais antigo caderno de poesia que se publica entre nós.
Há algum tempo, na cidade do Mondego, como dantes se dizia, estava com este tipo de desabafo, desafogo de pequena grandeza e bem justificado, porque tal cometimento (oriundo dos Estoris) envolve muito sangue em carne viva, muitas lágrimas engolidas na estrada, mas, outrossim, basto gáudio sobre rodas – surgiu então um Fabiano a garantir-me, a pés juntos, a língua presta, que o nosso “VIOLA DELTA” são os mais antigos cadernos de poesia existentes na Península Ibérica.
ABAIXO OS NEUTROS
Não se pode viver muito tempo
Por dentro de uma maçã.
Fernando Grade, Santo António do Estoril – Maio de 2005
POEMA NEO-NATURALISTA PARA O JORGE
Revoadas de rolas
Sobrevoam favais e
Jarros de Março trompetas de quintais.
Teclas de piano as telhas dos telhados
Encharcados
São pasto e poiso de tudo quanto é asa
E bucólico andamento.
A ti´Domingas arrasta o sofrimento
Em queixa moderada
E o “Joli” ladra na estrada
A penosa viagem dos sem-tecto.
Não fora assim era a cigarra
O grilo o melro ou mesmo a aragem
Em vadiagem pelo Alto dos Fetos
No rasto dos ecos rolados do mar
Perdidos nos pinhais.
Aos ais a desfolhar-se o luar
No céu dos temporais dos anjos encalhados
Agachados na terra.
Os ralos remendam-lhes as penas
E os dedos massacrados
Na “singer” jardinada na dor
Oculta e renovada.
É a hora do fel dos sem-amor
Calarem fome e espantos
Numa bica:
A Maria dos Anjos dá a dica.
Maria Almira Medina in VIOLA DELTA nº 40
É evidente que jamais esperei, quase três décadas depois, ainda estar aqui com este tipo de conversa. Decerto que me transformei num arengador algo saudoso, mas compreende-se. O “VIOLA DELTA” acabou por vestir a pele, neste interim, de o mais antigo caderno de poesia que se publica entre nós.
Há algum tempo, na cidade do Mondego, como dantes se dizia, estava com este tipo de desabafo, desafogo de pequena grandeza e bem justificado, porque tal cometimento (oriundo dos Estoris) envolve muito sangue em carne viva, muitas lágrimas engolidas na estrada, mas, outrossim, basto gáudio sobre rodas – surgiu então um Fabiano a garantir-me, a pés juntos, a língua presta, que o nosso “VIOLA DELTA” são os mais antigos cadernos de poesia existentes na Península Ibérica.
ABAIXO OS NEUTROS
Não se pode viver muito tempo
Por dentro de uma maçã.
Fernando Grade, Santo António do Estoril – Maio de 2005
POEMA NEO-NATURALISTA PARA O JORGE
Revoadas de rolas
Sobrevoam favais e
Jarros de Março trompetas de quintais.
Teclas de piano as telhas dos telhados
Encharcados
São pasto e poiso de tudo quanto é asa
E bucólico andamento.
A ti´Domingas arrasta o sofrimento
Em queixa moderada
E o “Joli” ladra na estrada
A penosa viagem dos sem-tecto.
Não fora assim era a cigarra
O grilo o melro ou mesmo a aragem
Em vadiagem pelo Alto dos Fetos
No rasto dos ecos rolados do mar
Perdidos nos pinhais.
Aos ais a desfolhar-se o luar
No céu dos temporais dos anjos encalhados
Agachados na terra.
Os ralos remendam-lhes as penas
E os dedos massacrados
Na “singer” jardinada na dor
Oculta e renovada.
É a hora do fel dos sem-amor
Calarem fome e espantos
Numa bica:
A Maria dos Anjos dá a dica.
Maria Almira Medina in VIOLA DELTA nº 40
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