“He was also a great poet and wished to be admired: two incompatible desires, and an immense source of unhappiness for him”
(Stendhal, “Memories of Lord Byron, 1829)
Precisamente numa quarta-feira de Primavera deste ano, George Gordon, mais conhecido pelo seu nome aristocrático, Lord Byron, regressou a Sintra. Havia o vento, algum calor mas nem sombra da auréola de neblina que verte um ambiente de mistério à vila. Noite de azul profundo, perfumada por inúmeras ervas e flores aromáticas; de um silêncio absoluto em harmonia com as sensações e sentidos, como se um segredo fundamental estivesse disposto a revelar-se. Nesta paisagem romântica e sensorial, um pouco acima do Museu do Brinquedo, na Casa da Avó, poetas e admiradores do lírico, chamados de “Meninos d’Avó”, iniciavam mais um dos habituais encontros poéticos. Então, de súbito, numa deslocação instantânea, Lord Byron surgiu com um grosso volume entre os delicados dedos, atravessou o salão e sentou-se, pedindo discretamente uma taça de vinho tinto à Paula, a dona do simpático local, que também é desenhista nos momentos de ócio. O seu belo porte cintilava e os olhos não escondiam um destino plúmbeo, uma melancolia acentuada e um caráter excepcional. Pronto para conceder poemas inéditos, guardados na memória durante quase dois séculos, desvendando assim a Serra da Lua e sua concentração de energia visionária. A passagem do poeta inglês por Sintra, em julho de 1809, dera origem a versos: “Ó minha Sintra, és cá um Paraíso glorioso / mas o capacete de neblina que trazes sempre na tromba / Faz-me sentir saudoso / da minha solarenga Albiona / Bem, sempre é melhor fugir para Missalonga com um marujo português / E quem fala assim não é coxo / Como eu” (Tradução de Mário Nafarros, anos 50). Retratou-a como bela e enigmática, não tendo em grande conta o caráter dos portugueses, ditando-lhe algumas critícas lendárias que ainda hoje silvam como um látego no poema ”Childe Harold’s Pilgrimage”. Ele lembrava-se de tudo isso, os olhos piscando por momentos como asas de colibri – quase um adormecimento ou um princípio de desmaio, talvez fadado a tornar-se forma espectral. Ficou como que no centro de um palco, ao alcance do meu olhar semicerrado a acompanhar os seus movimentos. O que fazia Byron na Casa da Avó? Ou o que é a Casa da Avó? Calma, meu caro leitor. Eu explico direitinho.
O local foi fundado durante a I Guerra Mundial por uma velha camponesa viúva, avó Madalena, de uma estirpe de muitos filhos e netos, dois deles ainda vivos. É uma casa de pasto (restaurante popular com receitas caseiras) que mantém a velha tradição, conduzida atualmente com boa vontade por Paula e Luis Ribeiro. Quinzenalmente, às quartas, os Meninos d’Avó reúnem-se para ler ou ouvir poesia na pequena sala do restaurante, entre muito vinho e, por vezes, um suculento bacalhau à Brás. Organizam noites temáticas (a mais recente delas, Revolução, com poemas de Pablo Neruda, José Gomes Ferreira, etc.) e homenageiam poetas, porém quase sempre o tema é livre. Por lá já passaram figuras supimpas: Paulo Brito e Abreu, Fátima Freitas, Risoleta Pinto Pedro e tantos outros. Os talentosos Carlos Pinto e José Ricardo – o angelical Zezinho! - respectivamente engenheiro de som e fotógrafo, estão sempre presentes, atentos, embora nunca abram a boca para a récita. Atores mostram sua verve, desde Rui Mário, do Tapafuros a Nuno Vicente, do Utopia. Rui Lopo, Jorge Telles de Menezes e Rui Bráz dirigem sutilmente o espétaculo, sempre dando preferência ao espontâneo. Menezes, autor do vibrante “Selenographia in Cynthia”, interpreta poemas de forma pausada, sentida, com uma voz grave, carregada de vivências. Na noite em que recebemos a visita de Byron, leu poetas germânicos do pós-guerra traduzidos por ele próprio. É um grande escritor, poeta, ensaísta e tradutor à procura de um editor com consistência. Procurando superar a timidez e uma tendência para mergulhar numa emoção intensa e contida, pouco a pouco, vou tomando o gosto da “performance interiorizada”. Considero-me, e com um certo deleite, um dos Meninos d’Avó. Esse é o panorama, a geléia geral: poetas abrem a boca e lêem poemas, seus ou de nomes mais sonantes.
Assim, entre nós, entusiasmados espíritos delirantes, Lord Byron, com uma voz aveludada e magnética, clara e firme, sem esconder rasgos de sensibilidade, falou sobre Drummond, Mário e Oswald de Andrade; a seguir leu o brasileiro Carlos Oliveira. Durante o sarau continuou com uma série de leituras carismáticas, pontuada com reflexões literárias cheias de desenvoltura e sensibilidade. Sua beleza luminosa, de estampa de cinema, provocou encabulamentos. E êxtase, como foi o meu caso. Parecendo que por dentro estava a arder e, ao mesmo tempo, tomado por um gélido e discreto embaraço, o poeta disse-nos o seu nome: Antonio Cortez. Ah, Byron, que pseudônimo, que alter-ego, que heterônimo, que personagem, que verso vivo, que possessão espetacular! Cortez, Antonio Cortez, sim, gosto, admirável eleição. Pouco depois da meia noite, cumprida a sua missão, ele partiu, despedindo-se amavelmente e deixando a promessa de voltar. Cheguei a imaginar um indômito alazão negro à sua espera. Enfeitiçado, prestes a rebentar de luminosidade, levantei os olhos e vi o fundo dos seus olhos. Lá estava a sua história, a história de um aventureiro que viveu dores insuportáveis, que tinha um leque de preocupações humanitárias muito para além do seu tempo, que escandalizou o mundo pela sua pose elegante e as várias relações afetivas de ambos os sexos, que deixou uma obra romântica de profundo interesse.
Toda a criação de Lord Byron está trespassada pelo pessimismo, revolta contra os outros e contra a sociedade, podendo ser vista como um grande painel autobiográfico. Apesar da violenta ironia, do tom declarado de rebeldia, a melancolia quase sempre acompanha os seus versos. O poeta era um sofredor de amor, um apaixonado, caçava a ânsia do infinito e foi rotulado como louco, devido ao seu desprezo pelas regras do comportamento social, que acabaram por fazer dele um ser socialmente rejeitado e, ao mesmo tempo, invejado pela sua originalidade e pelo seu gênio criador. Alma inquieta e aventureira, com desejos libertários, tal e como escreveu no seu poema “O Corsário”, Byron legou-nos também frases célebres como esta: “O passado é sem dúvida o melhor profeta do futuro”.
Nasceu em Londres no congelante 22 de Janeiro de 1788, numa família à beira da ruína econômica. Com uma malformação congênita num dos pés, o que lhe provocou um visível coxear, mesmo assim o nosso protagonista viria a destacar-se em esportes como o boxe e a natação. Sua mãe, Catherine, uma mulher superprotetora e com certa alteração psicológica, focalizava no filho único todas as desgraças que aconteciam na sua vida. Aos nove anos, faleceu seu tio avô – o quinto Lord Byron - deixando o sobrinho neto como depositário do título familiar. Torna-se um jovem de beleza invulgar e no Trinity College de Cambridge é apelidado de “bom garoto” por seu carisma e excelente disposição. Em 1806, aos 18 anos, publica o seu primeiro poemário, mal recebido pela crítica, intitulado “Horas Ociosas”. Nessa altura, a Inglaterra prosperava em plena evolução industrial e Byron, dando rédeas à sua ânsia de aventura, iniciou em 1809 uma viagem por vários países mediterrâneos: Portugal, Espanha, Grécia, Turquia. Foi nesse tempo errante que passou alguns dias em Sintra e aqui começou a escrever “As Peregrinações de Childe Harold” – seu alter ego literário -, protagonista de mil avatares poéticos.
Cantadas por vozes relevantes da literatura portuguesa – Luís Vaz de Camões, Gil Vicente, Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Ramalho Urtigão, Teixeira de Pascoaes, Ferreira de Castro, Vergílio Ferreira e José Saramago, entre tantos – e do romantismo inglês – William Beckford, Robert Southey - as paisagens idílicas de Sintra sempre encantaram os viajantes e turistas de ocasião, que aqui procuram o grandioso cenário de uma natureza pagã e sagrada. Esta natureza deslumbrou Lord Byron como um romântico que se revia nela, e ele soube apreciar a solidão dos lugares tranquilos, escrevendo que “a vilazinha de Sintra é talvez a mais bela de todo o mundo”. Admirador de Beckford (1760-1844), um escritor milionário que teve grande influência na sua obra e que se instalou durante poucos anos na admirável e sintrense Quinta e Palácio de Monserrate, escreveu sobre a vivenda lusa do autor de “Vathek” (1786): “Aqui moraste, e aqui sonhaste ser feliz, vendo ao longe a montanha: a beleza imutável. Agora, este local parece amaldiçoado: teu palácio está só como tu próprio és só”. Na sua carta a Francis Hodgson, escrita a 16 de Julho de 1809, podemos ver que se apaixonou pela paisagem da mística e mítica vila, deixando-se fascinar por sua exuberância natural, escrevendo-a em versos como “The Glorious Eden”, com o mesmo ardor e magnificência do local reconhecidos mais de meio século depois pelo notável escritor português Eça de Queirós (1845-1900). O autor de “Os Maias” (1888) interpretou Sintra com uma visão pessoal e emotiva, que é recordada sob a expressão “Sintra Queirosiana”, e pode-se afirmar que ela está presente em quase toda a sua fértil obra. Ainda antes do ídilio de Byron, outro poeta britânico, Robert Southey (1744-1843), estendeu os olhos pela cenografia sintrense, chamando-a “o mais abençoado torrão de todo o globo habitável”. Byron, um dos maiores poetas de língua inglesa, esteve hospedado na Estalagem dos Cavaleiros e todas as suas aventuras e desventuras em terra portuguesa são narradas num livro de Alberto Teles publicado em 1879.
A fama do furacão romântico foi crescendo e o regresso em 1811 de sua peripécia européia foi aclamado nos melhores salões londrinos. Todos quiseram tê-lo como convidado e atribuíram-lhe centenas de romances com mulheres e homens. No entanto, foi Annabella Mibanke quem o levou ao altar em Janeiro de 1815. Onze meses mais tarde nasceu sua filha Augusta Ada. Por então, a polêmica e o escândalo já haviam salpicado sua vida. Acabou por ser acusado publicamente de sodomia e de incesto, este último, ao que parece, porque foi visto em atitude demasiado carinhosa com uma irmanastra chamada Augusta. Annabella abandonou-o e ele, sob os rumores e o provável julgamento, decidiu deixar o seu país sem intenção de regressar.
Esteve em Bruxelas e dali a Suíça, onde fez amizade com Mary e Percy Shelley, John Polidori e Claire Clairmont. Com os seus novos amigos e, por que não dizer, amantes, navegou por lagos e organizou veladas literárias em que propôs a criação de novelas macabras. Desse modo, Polidori inspirou-se em Byron para escrever sua novela “O Vampiro”, semente de todo um gênero, enquanto que Mary Shelley concebeu “Frankenstein”, aproximando-se do mito do novo Prometeu. Byron incrementou sua já por si fértil criatividade quando se estabeleceu em Itália. Dali apoiou causas libertadoras, publicando também textos imortais como “Manfred”. Em 1822, com apenas 34 anos, mergulhado numa melancolia cada vez mais abrumadora, procura combatê-la viajando pela Grécia, disposto a lutar pela liberdade dos gregos frente ao poder otomano. Foi recebido como herói, mas em pouco tempo, ferido, contraiu uma febre que o levou à morte a 19 de Abril de 1824. Morreu na praia, dizendo para um amigo que o acompanhava: “É chegada a ocasião de descansar!”.
Poeta de amores perdidos, ocultos dos olhares alheios, recorreu à simbologia dos elementos naturais para cantar seu dilema existencial, muitas vezes envolvido por presságios e morte. Além da ironia que revela nos seus versos e de uma certa ruptura com a temática romântica, denunciou um leque de preocupações muito adiante do seu tempo, muito de hoje. Donjuanesco, de temperamento forte, sensualidade vibrante e possuidor de grande poder de comunicação, produziu poemas de uma fúria inaudita, emblemáticos da violência que o escritor exerce sobre si próprio. Egocentrista, apesar de procurar desesperadamente a união dos seres e dos espíritos, morreu sem encontrar as atenções nem ouvir os aplausos que julgaria merecidos.
Tumultuoso e sutil. Assim foi o meu encontro com Lord Byron numa noite voluptuosa de Primavera, de atmosfera enigmática e perfumada. O que nele encontrei relato-o nesta crônica que acaba de ler, meu caro leitor. Sem nenhuma invenção. O George Gordon, o Byron, o poeta romântico e desiludido, o Cortez, partiu pouco depois da meia-noite, numa visão sobrenatural, não compartilhada por todos os presentes. Tomou um caminho tão solitário como o das estrelas. Logo a seguir também eu deixei a Casa da Avó; era-me impossível sufocar a convulsão que me arrancava dos laços terrenos e, a caminho da estação ferroviária, notei que as pontas dos ramos das árvores incendiavam-se numa luz violeta pálida, e os troncos passavam gradualmente da púrpura ao negro. Uma linha de luz violeta, como uma teia de néon, destacava o serpentário da Serra, num belo efeito plástico. Noite sombria, inquietante, mas duma suavidade de efeitos mágicos. Então, soltei o meu choro, feliz, pressentindo que é das trevas, do mais oculto e profundo, que nascem a luz, as fábulas e as mais irresistíveis palpitações.
Antonio Naud Júnior - Sintra
Bibliografia:
Coleção “Gigantes da Literatura Universal”, Editora Verbo, Lisboa, 1972;
Macbeth, Georges. “Lord Byron”, Longman Group, Essex, 1979;
Rodil, João. “Serra, Luas e Literatura”, Veredas-Sintra Editora, Sintra, 1995
(Stendhal, “Memories of Lord Byron, 1829)
Precisamente numa quarta-feira de Primavera deste ano, George Gordon, mais conhecido pelo seu nome aristocrático, Lord Byron, regressou a Sintra. Havia o vento, algum calor mas nem sombra da auréola de neblina que verte um ambiente de mistério à vila. Noite de azul profundo, perfumada por inúmeras ervas e flores aromáticas; de um silêncio absoluto em harmonia com as sensações e sentidos, como se um segredo fundamental estivesse disposto a revelar-se. Nesta paisagem romântica e sensorial, um pouco acima do Museu do Brinquedo, na Casa da Avó, poetas e admiradores do lírico, chamados de “Meninos d’Avó”, iniciavam mais um dos habituais encontros poéticos. Então, de súbito, numa deslocação instantânea, Lord Byron surgiu com um grosso volume entre os delicados dedos, atravessou o salão e sentou-se, pedindo discretamente uma taça de vinho tinto à Paula, a dona do simpático local, que também é desenhista nos momentos de ócio. O seu belo porte cintilava e os olhos não escondiam um destino plúmbeo, uma melancolia acentuada e um caráter excepcional. Pronto para conceder poemas inéditos, guardados na memória durante quase dois séculos, desvendando assim a Serra da Lua e sua concentração de energia visionária. A passagem do poeta inglês por Sintra, em julho de 1809, dera origem a versos: “Ó minha Sintra, és cá um Paraíso glorioso / mas o capacete de neblina que trazes sempre na tromba / Faz-me sentir saudoso / da minha solarenga Albiona / Bem, sempre é melhor fugir para Missalonga com um marujo português / E quem fala assim não é coxo / Como eu” (Tradução de Mário Nafarros, anos 50). Retratou-a como bela e enigmática, não tendo em grande conta o caráter dos portugueses, ditando-lhe algumas critícas lendárias que ainda hoje silvam como um látego no poema ”Childe Harold’s Pilgrimage”. Ele lembrava-se de tudo isso, os olhos piscando por momentos como asas de colibri – quase um adormecimento ou um princípio de desmaio, talvez fadado a tornar-se forma espectral. Ficou como que no centro de um palco, ao alcance do meu olhar semicerrado a acompanhar os seus movimentos. O que fazia Byron na Casa da Avó? Ou o que é a Casa da Avó? Calma, meu caro leitor. Eu explico direitinho.
O local foi fundado durante a I Guerra Mundial por uma velha camponesa viúva, avó Madalena, de uma estirpe de muitos filhos e netos, dois deles ainda vivos. É uma casa de pasto (restaurante popular com receitas caseiras) que mantém a velha tradição, conduzida atualmente com boa vontade por Paula e Luis Ribeiro. Quinzenalmente, às quartas, os Meninos d’Avó reúnem-se para ler ou ouvir poesia na pequena sala do restaurante, entre muito vinho e, por vezes, um suculento bacalhau à Brás. Organizam noites temáticas (a mais recente delas, Revolução, com poemas de Pablo Neruda, José Gomes Ferreira, etc.) e homenageiam poetas, porém quase sempre o tema é livre. Por lá já passaram figuras supimpas: Paulo Brito e Abreu, Fátima Freitas, Risoleta Pinto Pedro e tantos outros. Os talentosos Carlos Pinto e José Ricardo – o angelical Zezinho! - respectivamente engenheiro de som e fotógrafo, estão sempre presentes, atentos, embora nunca abram a boca para a récita. Atores mostram sua verve, desde Rui Mário, do Tapafuros a Nuno Vicente, do Utopia. Rui Lopo, Jorge Telles de Menezes e Rui Bráz dirigem sutilmente o espétaculo, sempre dando preferência ao espontâneo. Menezes, autor do vibrante “Selenographia in Cynthia”, interpreta poemas de forma pausada, sentida, com uma voz grave, carregada de vivências. Na noite em que recebemos a visita de Byron, leu poetas germânicos do pós-guerra traduzidos por ele próprio. É um grande escritor, poeta, ensaísta e tradutor à procura de um editor com consistência. Procurando superar a timidez e uma tendência para mergulhar numa emoção intensa e contida, pouco a pouco, vou tomando o gosto da “performance interiorizada”. Considero-me, e com um certo deleite, um dos Meninos d’Avó. Esse é o panorama, a geléia geral: poetas abrem a boca e lêem poemas, seus ou de nomes mais sonantes.
Assim, entre nós, entusiasmados espíritos delirantes, Lord Byron, com uma voz aveludada e magnética, clara e firme, sem esconder rasgos de sensibilidade, falou sobre Drummond, Mário e Oswald de Andrade; a seguir leu o brasileiro Carlos Oliveira. Durante o sarau continuou com uma série de leituras carismáticas, pontuada com reflexões literárias cheias de desenvoltura e sensibilidade. Sua beleza luminosa, de estampa de cinema, provocou encabulamentos. E êxtase, como foi o meu caso. Parecendo que por dentro estava a arder e, ao mesmo tempo, tomado por um gélido e discreto embaraço, o poeta disse-nos o seu nome: Antonio Cortez. Ah, Byron, que pseudônimo, que alter-ego, que heterônimo, que personagem, que verso vivo, que possessão espetacular! Cortez, Antonio Cortez, sim, gosto, admirável eleição. Pouco depois da meia noite, cumprida a sua missão, ele partiu, despedindo-se amavelmente e deixando a promessa de voltar. Cheguei a imaginar um indômito alazão negro à sua espera. Enfeitiçado, prestes a rebentar de luminosidade, levantei os olhos e vi o fundo dos seus olhos. Lá estava a sua história, a história de um aventureiro que viveu dores insuportáveis, que tinha um leque de preocupações humanitárias muito para além do seu tempo, que escandalizou o mundo pela sua pose elegante e as várias relações afetivas de ambos os sexos, que deixou uma obra romântica de profundo interesse.
Toda a criação de Lord Byron está trespassada pelo pessimismo, revolta contra os outros e contra a sociedade, podendo ser vista como um grande painel autobiográfico. Apesar da violenta ironia, do tom declarado de rebeldia, a melancolia quase sempre acompanha os seus versos. O poeta era um sofredor de amor, um apaixonado, caçava a ânsia do infinito e foi rotulado como louco, devido ao seu desprezo pelas regras do comportamento social, que acabaram por fazer dele um ser socialmente rejeitado e, ao mesmo tempo, invejado pela sua originalidade e pelo seu gênio criador. Alma inquieta e aventureira, com desejos libertários, tal e como escreveu no seu poema “O Corsário”, Byron legou-nos também frases célebres como esta: “O passado é sem dúvida o melhor profeta do futuro”.
Nasceu em Londres no congelante 22 de Janeiro de 1788, numa família à beira da ruína econômica. Com uma malformação congênita num dos pés, o que lhe provocou um visível coxear, mesmo assim o nosso protagonista viria a destacar-se em esportes como o boxe e a natação. Sua mãe, Catherine, uma mulher superprotetora e com certa alteração psicológica, focalizava no filho único todas as desgraças que aconteciam na sua vida. Aos nove anos, faleceu seu tio avô – o quinto Lord Byron - deixando o sobrinho neto como depositário do título familiar. Torna-se um jovem de beleza invulgar e no Trinity College de Cambridge é apelidado de “bom garoto” por seu carisma e excelente disposição. Em 1806, aos 18 anos, publica o seu primeiro poemário, mal recebido pela crítica, intitulado “Horas Ociosas”. Nessa altura, a Inglaterra prosperava em plena evolução industrial e Byron, dando rédeas à sua ânsia de aventura, iniciou em 1809 uma viagem por vários países mediterrâneos: Portugal, Espanha, Grécia, Turquia. Foi nesse tempo errante que passou alguns dias em Sintra e aqui começou a escrever “As Peregrinações de Childe Harold” – seu alter ego literário -, protagonista de mil avatares poéticos.
Cantadas por vozes relevantes da literatura portuguesa – Luís Vaz de Camões, Gil Vicente, Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Ramalho Urtigão, Teixeira de Pascoaes, Ferreira de Castro, Vergílio Ferreira e José Saramago, entre tantos – e do romantismo inglês – William Beckford, Robert Southey - as paisagens idílicas de Sintra sempre encantaram os viajantes e turistas de ocasião, que aqui procuram o grandioso cenário de uma natureza pagã e sagrada. Esta natureza deslumbrou Lord Byron como um romântico que se revia nela, e ele soube apreciar a solidão dos lugares tranquilos, escrevendo que “a vilazinha de Sintra é talvez a mais bela de todo o mundo”. Admirador de Beckford (1760-1844), um escritor milionário que teve grande influência na sua obra e que se instalou durante poucos anos na admirável e sintrense Quinta e Palácio de Monserrate, escreveu sobre a vivenda lusa do autor de “Vathek” (1786): “Aqui moraste, e aqui sonhaste ser feliz, vendo ao longe a montanha: a beleza imutável. Agora, este local parece amaldiçoado: teu palácio está só como tu próprio és só”. Na sua carta a Francis Hodgson, escrita a 16 de Julho de 1809, podemos ver que se apaixonou pela paisagem da mística e mítica vila, deixando-se fascinar por sua exuberância natural, escrevendo-a em versos como “The Glorious Eden”, com o mesmo ardor e magnificência do local reconhecidos mais de meio século depois pelo notável escritor português Eça de Queirós (1845-1900). O autor de “Os Maias” (1888) interpretou Sintra com uma visão pessoal e emotiva, que é recordada sob a expressão “Sintra Queirosiana”, e pode-se afirmar que ela está presente em quase toda a sua fértil obra. Ainda antes do ídilio de Byron, outro poeta britânico, Robert Southey (1744-1843), estendeu os olhos pela cenografia sintrense, chamando-a “o mais abençoado torrão de todo o globo habitável”. Byron, um dos maiores poetas de língua inglesa, esteve hospedado na Estalagem dos Cavaleiros e todas as suas aventuras e desventuras em terra portuguesa são narradas num livro de Alberto Teles publicado em 1879.
A fama do furacão romântico foi crescendo e o regresso em 1811 de sua peripécia européia foi aclamado nos melhores salões londrinos. Todos quiseram tê-lo como convidado e atribuíram-lhe centenas de romances com mulheres e homens. No entanto, foi Annabella Mibanke quem o levou ao altar em Janeiro de 1815. Onze meses mais tarde nasceu sua filha Augusta Ada. Por então, a polêmica e o escândalo já haviam salpicado sua vida. Acabou por ser acusado publicamente de sodomia e de incesto, este último, ao que parece, porque foi visto em atitude demasiado carinhosa com uma irmanastra chamada Augusta. Annabella abandonou-o e ele, sob os rumores e o provável julgamento, decidiu deixar o seu país sem intenção de regressar.
Esteve em Bruxelas e dali a Suíça, onde fez amizade com Mary e Percy Shelley, John Polidori e Claire Clairmont. Com os seus novos amigos e, por que não dizer, amantes, navegou por lagos e organizou veladas literárias em que propôs a criação de novelas macabras. Desse modo, Polidori inspirou-se em Byron para escrever sua novela “O Vampiro”, semente de todo um gênero, enquanto que Mary Shelley concebeu “Frankenstein”, aproximando-se do mito do novo Prometeu. Byron incrementou sua já por si fértil criatividade quando se estabeleceu em Itália. Dali apoiou causas libertadoras, publicando também textos imortais como “Manfred”. Em 1822, com apenas 34 anos, mergulhado numa melancolia cada vez mais abrumadora, procura combatê-la viajando pela Grécia, disposto a lutar pela liberdade dos gregos frente ao poder otomano. Foi recebido como herói, mas em pouco tempo, ferido, contraiu uma febre que o levou à morte a 19 de Abril de 1824. Morreu na praia, dizendo para um amigo que o acompanhava: “É chegada a ocasião de descansar!”.
Poeta de amores perdidos, ocultos dos olhares alheios, recorreu à simbologia dos elementos naturais para cantar seu dilema existencial, muitas vezes envolvido por presságios e morte. Além da ironia que revela nos seus versos e de uma certa ruptura com a temática romântica, denunciou um leque de preocupações muito adiante do seu tempo, muito de hoje. Donjuanesco, de temperamento forte, sensualidade vibrante e possuidor de grande poder de comunicação, produziu poemas de uma fúria inaudita, emblemáticos da violência que o escritor exerce sobre si próprio. Egocentrista, apesar de procurar desesperadamente a união dos seres e dos espíritos, morreu sem encontrar as atenções nem ouvir os aplausos que julgaria merecidos.
Tumultuoso e sutil. Assim foi o meu encontro com Lord Byron numa noite voluptuosa de Primavera, de atmosfera enigmática e perfumada. O que nele encontrei relato-o nesta crônica que acaba de ler, meu caro leitor. Sem nenhuma invenção. O George Gordon, o Byron, o poeta romântico e desiludido, o Cortez, partiu pouco depois da meia-noite, numa visão sobrenatural, não compartilhada por todos os presentes. Tomou um caminho tão solitário como o das estrelas. Logo a seguir também eu deixei a Casa da Avó; era-me impossível sufocar a convulsão que me arrancava dos laços terrenos e, a caminho da estação ferroviária, notei que as pontas dos ramos das árvores incendiavam-se numa luz violeta pálida, e os troncos passavam gradualmente da púrpura ao negro. Uma linha de luz violeta, como uma teia de néon, destacava o serpentário da Serra, num belo efeito plástico. Noite sombria, inquietante, mas duma suavidade de efeitos mágicos. Então, soltei o meu choro, feliz, pressentindo que é das trevas, do mais oculto e profundo, que nascem a luz, as fábulas e as mais irresistíveis palpitações.
Antonio Naud Júnior - Sintra
Bibliografia:
Coleção “Gigantes da Literatura Universal”, Editora Verbo, Lisboa, 1972;
Macbeth, Georges. “Lord Byron”, Longman Group, Essex, 1979;
Rodil, João. “Serra, Luas e Literatura”, Veredas-Sintra Editora, Sintra, 1995
5 comentários:
vc tem algum poema de lord byron em inglês e com tradução em português?
hehehe ;)
ninest123 16.02
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