quinta-feira, setembro 22, 2005

MEMÓRIAS D´O OUTRO LADO DO ESPELHO

Prestamos a nossa homenagem à galeria de arte O OUTRO LADO DO ESPELHO que dinamizou as actividades culturais em Sintra nos finais dos anos 80 até a meio dos anos 90.



Aportaram os primeiros pedradores, em clans que buscavam refúgio, casa e a água miraculosa das fontes. Estávamos na era da Grande Mãe, a fértil parideira e o estranho magnetismo lunar da montanha levou-os a edificar o primeiro templo à nívea face da divindade.

Vieram os do fogo e do metal, alquimistas de civilizações desaparecidas, com sua religião megalítica. Deixaram as pedras sagradas, druídicas em lugares não casuais, envoltas nas brumas da Floresta Encantada.

Chegou o Grego e nome deu: Kynthia. Era a montanha da Deusa, Diana de Janas. O empreendedor Romano, suas vilas construiu em abundância, na idílica planície, olhando o mar que nunca lhe pertenceu. E o do Crescente, aqui lavou seu exílio em sangue, que o Português temerário, lhe não perdoou a conquista.

Desembarcaram reis, artistas, poetas. E a montanha ia-se tornando o painel gigantesco onde mãos inspiradas acrescentavam sempre um novo signo. Assim ela se transformou num imenso livro ou numa pintura. Só era necessário saber interpretar essa maravilhosa carta mitológica.

Os Grandes Solitários, os últimos pressentiram já que Cynthia desafiava todos os conceitos de realidade. O seu jogo decorria precisamente entre aquilo que nós sentíamos como real, e que não era mais do que uma aparência, e a imagem sem fuga que o espelho oferecia.

Chegaram por fim os dO OUTRO LADO DO ESPELHO. Agora sim, de uma vez por todas, alargava-se a realidade. Entrava-se por uma porta como todas as outras, mas de imediato nos apercebíamos que aqui começava qualquer coisa de diferente. Podia-se ficar ali horas esquecidas, que sempre um pormenor novo nos recordava, fugitivo, que estávamos já de facto nO OUTRO LADO DO ESPELHO. Sair dpara a lineridade das coisas, das caras, das ruas, era sempre difícil. Ao contrário de Alice, bastava-nos abrir os olhos para começar a sonhar.
Quanto a mim, desde esse dia que nunca mais saí dO OUTRO LADO DO ESPELHO.

Jorge Teles de Menezes

2 comentários:

Anónimo disse...

É sempre genial ler Menezes, este mestre da palavra!
Antonio Naud Júnior

Anónimo disse...

Parabéns aos Meninos da Avó (e ao Jorge Menezes em particular) pela evocação da memória de um espaço comercial (e não só; antes de tudo, era um espaço de afectos) que, queira-se ou não, foi um marco no ambiente cultural da Sintra dos anos 80 e 90. Apesar de ter sido uma época cinzenta no panorama cultural da nossa vila, houve outros casos que seguramente também merecem evocação (e falo apenas de iniciativas privadas que nunca usufruíram de quaisquer auxílios ou apoios institucionais). São disso exemplos insignes:
1) A escola de Português para Estrangeiros "Mons Lunae", onde, em franco ambiente libertário se expandia a vivacidade da língua e da cultura portuguesas, que seriam levadas pelos seus alunos aos 4 cantos do mundo;
2) A editora de poesia "Tertúlia", em boa hora nascida e baptizada n'O Outro Lado do Espelho, que se dedicou a fazer da poesia escrita em português um clube dos poetas vivos.
Foi, de facto (nesses anos das primeiras investidas das hostes neoliberais a tudo o que era centro de decisão e de exposição mediática, relegando para o limbo qualquer manifestação que pudesse ameaçar a mediocridade e a ignorância dominantes) uma profaníssima trindade.
Hoje, os tempos (e as gentes e seus modos) são outros e, felizmente, há novos focos de energia que, de certo modo, dão corpo e voz aos sentimentos de quem gosta de encher a alma com (sempre mais) conhecimento e experiências novas.
É, pois, bastante importante continuar a apoiar as iniciativas culturais em Sintra, como as dos Meninos da Avó e de outros grupos e indivíduos que se orientam pela mesma paixão do(s) encontro(s).
Fernando Dias Antunes