Jorge Telles de Menezes
Não viste, George, no meu país a memória de um tempo em que fomos irmãos, em que fomos iguais; então combatíamos em contendas de cavalaria no Minho e no Lancastre, para conquistar corações e afinar pontarias para outras guerras; chamavam-nos antanho os Magriços. Nada do teu olhar pousou sobre a arca da aliança forjada na defesa de nosso torrão sagrado, nem por teu relance passou essa heróica união de armas e de sangue na Batalha para que sempre fôssemos independentes. Nem da estirpe comum soubeste, camarada, que levou essas naus impetuosas com a cruz herética do templo abaixo de todos os céus do mundo; não, não soubeste dessa arremetida no sonho, na utopia que teu conterrâneo More nos ofereceu. Tinhas razão, porém, nós é que no século em que vieste vivíamos sob o peso da saudade, saudade de tudo, até da própria vida... Vivemos demais em curto tempo, envelhecemos precocemente, fizemos o nosso melhor, esquecemo-nos da reforma, e se fomos iguais na infância, não passamos hoje de um velho marinheiro, que indiferente à higiénica ordem da tua civilização, contempla absorto e mudo o mar, um irmão teu que se tornou irreconhecível para ti, velho Albião, que doseaste bem tua energia, cresceste rapaz comportado, com boa educação, deitas hoje as cartas e dás meridianos sobre a mesa do mundo - apesar de nós sabermos de teus fáusticos pactos... Nossa diferença consiste em que o mundo em que tu ages e brilhas com glória já não o vemos, por isso nos deixa indiferente o teu moderno sucesso. Eu vivi a idade do verdadeiro ouro, aquele de que é feito o sonho, tu viveste na idade que comerceia com o que foi o meu sonho, transformando-o no ouro vil da matéria.
Eu estou há muito reformado da História, e como a reforma é uma miséria, vou vivendo de uns biscates em frente ao mar. Tu és um burguês rico e lustroso, jovem e confiante nas tuas certezas práticas sobre o mundo. O teu drama moderno nada diz ao meu silenciado ser, entendo-o perfeitamente, mas a minha religião, que consiste em não ter qualquer religião, não me provoca histeria. Tenho costumes que respeito, como ensinava Confúcio. Não me esqueço, contudo, do teu outro lado, oh fugitivo de ti mesmo, cantor exilado da liberdade absoluta, rebelde contra a própria ordem que te formou. A tua neurose, contudo, eu não partilho, o conceito de ordem na minha mente já não existe, eu ando em barcos à vela, meu rei é o vento.
Fizeste bem em vir visitar-me, inventaste o conforto e o fair-play, mas eu não gosto dos teus jogos, por isso dispenso também as tuas regras. Que pena não ter havido cinema nem música rock na tua época, terias vivido como um herói da imagem e mais um derrotado do coração. Afinal, tinhas que te sacrificar, oh prometaico herói moderno; eu morri nas Filipinas, lembras-te? quantos séculos antes foram? Vem, entra no círculo dos poetas-heróis, ali tens Camões, ele falará contigo. Vem, arrogante irmão mais novo, não me impressionas com teu drama burguês, nós compreendêmo-lo hoje, vem, volta para nós aqui em Sintra que amamos todos os românticos, vais ver que ainda não viste o que julgavas já ter visto.
Jorge Telles de Menezes, 17 de Maio de 2005.
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