sábado, outubro 01, 2005

LANÇAMENTO DO LIVRO "SE UM VIAJANTE NUMA ESPANHA DE LORCA" DE ANTONIO NAUD JÚNIOR


Antonio Júnior Posted by Picasa



À Viagem

Cigano incorrigível por vocação luminosa ou oculto Fado, António Júnior realiza a vida nômade com que todos sonhamos, imersos em nossas vigílias sedentárias. É por nós, generosamente, que ele cruza oceanos, contempla as paisagens, sem hesitar penetra em labirintos, ausculta cavernas, desvela horizontes, revela territórios reais e poéticos, se expõe face a face com geografias desconhecidas e interroga o humano em Diálogos reveladores, sempre, por onde passa. Capturadas em vivências que ele transforma em palavras, preservando, nessa alquimia, a mais pura autenticidade, suas Peregrinações nos enriquecem de sabores e sabores novos. À maneira de Xavier de Maistre em sua “Viagem em Torno do meu Quarto”. Sim? Mas um Xavier de Maistre invertido, porque o quarto de António Júnior é o mundo. Como ele outro e lendário cigano: Marco Pólo, é à Viagem que eles convidam. E não apenas à exterior, mas também a nós mesmos. Aceitemos o convite.

por Vicente Franz Cecim, Andara, 03 de Maio 2005.


Um sorriso de Gato para um viajante na Espanha de Lorca

Fada sorriu para mim o seu maravilhoso sorriso de criança, que não é sorriso arquivado em memória de actriz, porque Fada, mulher feita e formosa por fora, é criança por dentro, e isso eu soube logo em nosso primeiro encontro, que despertou em mim uma tremenda vontade de brincar, de mergulhar com frescura de asas numa brincadeira sem limites, até sentir aquela febre infantil, aquele delírio de querer evangelizar o mundo adulto, frio, mecânico absurdo e cínico, com nossa fé na Imaginação, nosso credo infantil e pagão na bondade natural e última do universo criado.

Ana sorriu para mim aquele seu espantoso sorriso de inocência, que é um sorriso que lhe sai do olhar e que fica pairando como um livro de contos, com florestas e duendes, numa promessa de aventura sem fim, de sonho, de utopia como nos contos fantásticos de minha infância. Ana, porém, é mulher acabada na máxima perfeição, design biológico do mais belo traço, adulta em carne e espírito. Mas que Ana é criança por dentro também eu soube desde nosso primeiro encontro selenográfico sob o arvoredo protector da Regaleira.

Fátima sorriu para mim seu grande, vasto, imenso sorriso protector, sorriso da irmã que tem juízo, aquela irmã que desculpa todas as nossas tontearias infantis, que reúne os cacos partidos por nossos excessos e os apresenta depois como objecto novo, inesperado, anunciador da boa nova. Fátima vai escrevendo um diário deste mundo traquinas que é o nosso, um diário que guarda num recanto de seu coração, que não nos mostra para que sua seriedade e gravidade não perturbem esta nossa descuidada infância. Pois Fátima, mulher-mãe, mulher-guardiã, mulher-anjo protector também é criança por dentro, e isso eu vi desde o primeiro sorriso que ela me ofereceu.

Teresa sorriu para mim aquele seu subtil sorriso de princesa, que concede um halo de mistério à sua pessoa, e nos deixa acreditando que ela terá as chaves de entrada para todos os palácios ocultos no interior da montanha, lugares de sonho com tesouros, livros fantásticos, gnomos e fadas, onde toda a criança adora brincar porque aí só regem as leis da bondade, da generosidade e da entreajuda para todos os seres. E esse seu sorriso me convenceu de que ela é igualmente uma criança por dentro, apesar de por fora ela ser mulher que a natureza concluiu com esmerada perfeição. E isso eu li em seu sorriso desde nosso primeiro encontro.

Rui sorriu para mim aquele seu sorriso de pirata bonzinho, de quem está na aventura da vida somente para descobrir o tesouro do Ser, desafiando-nos a atravessar o oceano encapelado e brumoso do conhecimento, como quem brinca com um barquinho no pequeno regato que passa junto da casa com que todos sonhamos. Ora, logo que conheci Rui e ele sorriu para mim, eu soube que ele também era criança por dentro, como eu afinal.

E que fiz eu com os sorrisos de Fada, Ana, Fátima, Teresa e Rui? Peguei neles, juntei-lhes o meu sorriso, e fui dar o sorriso daí resultante a António. Porquê? Porque foi ele quem, no fundo, com seu livro à boca de cena (“Se um Viajante numa Espanha de Lorca”, Ed. Pé da Página, Coimbra, 2005), nesse palco trágico e místico que leva de nome Espanha, nos fez a todos sorrir de novo como crianças. Se um Viajante numa Espanha de Lorca é uma narrativa para aqueles adultos que nunca deixaram esquecida no fundo das escadas de si, a criança que um dia foram. Nosso sorriso só quer dizer que entendemos bem o que é ser-atirado-no-mundo com a integral inocência do poeta-criança, para descrever esse país de arrepiar, de assombrosa e excêntrica história de nosso irmão ibérico. Como crianças crescidas nós sabemos que «a substância de um olhar é um trabalho de longo aprendizado, porque leva tempo descobrir em que sentido estamos “dentro” do que vemos.» (idem, pag.85). Com toda a cumplicidade de um poeta-criança, aqui deixo para você, António, meu sorriso igual àquele do Gato de Carrol, o Cheshire, que fica só pairando no ar, sem rosto.

George Till, Aguda, 2 de Junho de 2005.



dentro das conspirações da alma, nas
montanhas
da lua,
vive uma dama prateada,

desnuda,
olhos permanentemente abertos; ao redor,
um véu azulado, montanhas
de silêncio

com docilidade
ela acaricia luas e vaga-lumes e árvores,
sem tocá-los

e também acaricia, leitor invisível,
soprando versos nunca escritos, exalando um
cheiro de mandrágoras,
hortelãs na axilas

às vezes, nada é realmente real
ou tudo é real-terráqueo
e sonho e intensidade e vida
conectam-se, e a dama prateada sorri.


António Júnior, in “Se um Viajante numa Espanha de Lorca”, Pé de Página Editores, Maio de 2005.

2 comentários:

Anónimo disse...

Oi, António
Só hoje fui dar uma olhada nos blogs. Duplos
parabéns. Triplos, quádruplos. Pelos textos, por teu
trabalho e empenho, por saber que os meninos d'avó
continuam activos, cada vez mais, e agora com mais
divulgação.
Gostaria muito de participar nesse passeio por Sintra
no dia 8 mas vou estar a fazer um trabalho com a
Fátima. Se fores, boa caminhada.
Beijo
Paula

Anónimo disse...

Olá, Antonio, acabo de comprar o seu novo livro. Vou lê-lo com a dedicação merecida, afinal sou sua leitora atenta desde sempre. De qualquer forma, já vou opinando, visualmente está lindo. Parabéns! Um abraço,
Arlete Mello