A propósito de “SELENOGRAPHIA IN CYNTHIA” de Jorge Telles de Menezes
por João Rodil
Eu já vi muitas pessoas em Sintra. Vi gente que passa, gente que fica, gente que lhe admira a Natureza e os monumentos, mas o que levam dela é apenas uma vaga lembrança de cheiros e de verde, ou umas fotos postais, clichés da vida mundana e vazia atirados em seguida para o fundo de uma gaveta esquecida.
Mas Sintra não é um lugar para se ver só com os olhos. Ou antes, Sintra é muito mais um lugar para se sentir do que para se ver. Porque a sua imensidão ultrapassa o que a nossa pobre vista alcança. Porque a sua mensagem é cantada em linguagens veladas. Porque é um lugar com espírito.
Por isso, das muitas gentes que já vi em Sintra, apenas conheci algumas, poucas essas, que ao percorrerem o sei corpo majestoso de deusa tivessem comungado com ela. É que só aqueles que acreditam na transcendência desta Serra da Lua um dia poderão penetrar verdadeiramente nela.
E tal como a Lua, senhora e rainha de todas as marés, também Sintra é um grande íman que atrai aqueles que sabem sonhar quando contemplam o seu corpo serpentário. Jorge Telles de Menezes é um poeta chamado por ela. E, logo que chegou a ela, soube escalar o Promontório para beijar a Lua.
Quero eu com isto dizer que Jorge Telles de Menezes, ao escrever Selenographia in Cynthia, não se limitou a construir uma aprimorada obra poética, a lançar versos aos outros, plenos de lirismo e musicalidade. É que a Serra da Lua segredou-lhe alguns dos seus mistérios, deixou cair o véu e mostrou-se por dentro ao poeta. Nua e perfeita em todas as suas formas e símbolos.
Por isso, aquilo que estamos a beber quando lemos esta Selenographia é uma água baptismal que nos pode renovar, que nos deve servir de catalisador para regressarmos ao ser primordial, ao útero da Terra-Mãe, à consciência profunda dos valores mais sincréticos do Homem Universal.
Sintra foi, durante milénios, terra de fronteira entre o mundo conhecido e o mar ignoto, o abismo azul povoado de lendas e monstros. E os povos caminharam até a essa zona limítrofe, uns atrás dos outros, sempre em demanda peregrina e em pleno respeito e adoração pelas forças telúricas, aquáticas e ígneas que nestas montanhas da Lua se conjugam.
É esse respeito primordial que nos surge em Selenographia in Cynthia. É esse renascer interior do homem de hoje, a busca do Graal em nós, o rebuscar das emoções verdadeiras no mais secreto da nossa intimidade que o poeta Jorge de Menezes nos sugere.
Inclusivamente, chega a apontar-nos as veredas que nos poderão levar a esse lugar de início. O espelho e a água. Um, como objecto de retorno, de reflexão, para que nos conheçamos a nós próprios. Outra, a água, como elemento renovador e purificador por excelência, gerador da vida e espelho do céu, morada atlante de tritões, sereias, ninfas e tantos outros seres que fazem parte do imenso bestiário sintrense.
Não é de estranhar, portanto, que a personagem principal se chama Till Espelho de Água, ou antes, uma personagem multiplicada no seu Replicante. Ou o surgimento de Alice, aquela mesma do País das Maravilhas, a «musa ninfeácea do autor canhoto».
Quando li, pela primeira vez Selenographia in Cynthia, recordei de imediato alguns dos espíritos elevados que escreveram sobre Sintra, sobretudo aqueles que o fizeram de uma forma poética e dramática. Camões e Eça, aliás personagens que integram a obra, mas também outros nomes me saltaram à memória, como Teixeira de Pascoaes, António Quadros, Frei Heitor Pinto, João de Barros e, muitos especialmente, o mestre Gil Vicente e as duas peças em que dedicou maior atenção a Sintra: O Triunfo do Inverno e a Farsa da Lusitânia. Ainda me lembrei de Byron, de Southey, de W. H. Auden e de Christopher Isherwood, estes últimos mais pela concepção dos chamados dream poems, muito embora também eles tenham sido tocados pela Serra da Lua.
Mas tudo isto aconteceu-me apenas numa primeira leitura. Porque depois veio a verificação e a certeza da originalidade e profundeza da escrita poética e dramática de Jorge Telles de Menezes. Há ali um fluir de sinais que nos conhecem por dentro, um toque de mágica que nos faz acreditar nos amanhãs impossíveis. O poeta tinha estado, de facto, no útero do grande santuário da Lua.
Não quero especular sobre esta Selenographia in Cynthia. Não quero, nem devo. Tenho a certeza que muitos o farão através dos tempos, pois estou em crer que éobra do presente com mensagens do futuro. Acho que cada um de nós deve fazer a sua leitura e buscar o seu próprio entendimento.
É esta, afinal, a grande missiva do autor. Que procuremos todos a flor, a nossa flor, com toda a valorização espiritual e hermética que ela comporta.
Uma coisa eu posso afiançar. É que o Promontório da Lua está cheio de campos de flores. Basta descobri-las com os olhos do coração.
Azenhas do Mar, Solstício do Verão de 2003
por João Rodil
Eu já vi muitas pessoas em Sintra. Vi gente que passa, gente que fica, gente que lhe admira a Natureza e os monumentos, mas o que levam dela é apenas uma vaga lembrança de cheiros e de verde, ou umas fotos postais, clichés da vida mundana e vazia atirados em seguida para o fundo de uma gaveta esquecida.
Mas Sintra não é um lugar para se ver só com os olhos. Ou antes, Sintra é muito mais um lugar para se sentir do que para se ver. Porque a sua imensidão ultrapassa o que a nossa pobre vista alcança. Porque a sua mensagem é cantada em linguagens veladas. Porque é um lugar com espírito.
Por isso, das muitas gentes que já vi em Sintra, apenas conheci algumas, poucas essas, que ao percorrerem o sei corpo majestoso de deusa tivessem comungado com ela. É que só aqueles que acreditam na transcendência desta Serra da Lua um dia poderão penetrar verdadeiramente nela.
E tal como a Lua, senhora e rainha de todas as marés, também Sintra é um grande íman que atrai aqueles que sabem sonhar quando contemplam o seu corpo serpentário. Jorge Telles de Menezes é um poeta chamado por ela. E, logo que chegou a ela, soube escalar o Promontório para beijar a Lua.
Quero eu com isto dizer que Jorge Telles de Menezes, ao escrever Selenographia in Cynthia, não se limitou a construir uma aprimorada obra poética, a lançar versos aos outros, plenos de lirismo e musicalidade. É que a Serra da Lua segredou-lhe alguns dos seus mistérios, deixou cair o véu e mostrou-se por dentro ao poeta. Nua e perfeita em todas as suas formas e símbolos.
Por isso, aquilo que estamos a beber quando lemos esta Selenographia é uma água baptismal que nos pode renovar, que nos deve servir de catalisador para regressarmos ao ser primordial, ao útero da Terra-Mãe, à consciência profunda dos valores mais sincréticos do Homem Universal.
Sintra foi, durante milénios, terra de fronteira entre o mundo conhecido e o mar ignoto, o abismo azul povoado de lendas e monstros. E os povos caminharam até a essa zona limítrofe, uns atrás dos outros, sempre em demanda peregrina e em pleno respeito e adoração pelas forças telúricas, aquáticas e ígneas que nestas montanhas da Lua se conjugam.
É esse respeito primordial que nos surge em Selenographia in Cynthia. É esse renascer interior do homem de hoje, a busca do Graal em nós, o rebuscar das emoções verdadeiras no mais secreto da nossa intimidade que o poeta Jorge de Menezes nos sugere.
Inclusivamente, chega a apontar-nos as veredas que nos poderão levar a esse lugar de início. O espelho e a água. Um, como objecto de retorno, de reflexão, para que nos conheçamos a nós próprios. Outra, a água, como elemento renovador e purificador por excelência, gerador da vida e espelho do céu, morada atlante de tritões, sereias, ninfas e tantos outros seres que fazem parte do imenso bestiário sintrense.
Não é de estranhar, portanto, que a personagem principal se chama Till Espelho de Água, ou antes, uma personagem multiplicada no seu Replicante. Ou o surgimento de Alice, aquela mesma do País das Maravilhas, a «musa ninfeácea do autor canhoto».
Quando li, pela primeira vez Selenographia in Cynthia, recordei de imediato alguns dos espíritos elevados que escreveram sobre Sintra, sobretudo aqueles que o fizeram de uma forma poética e dramática. Camões e Eça, aliás personagens que integram a obra, mas também outros nomes me saltaram à memória, como Teixeira de Pascoaes, António Quadros, Frei Heitor Pinto, João de Barros e, muitos especialmente, o mestre Gil Vicente e as duas peças em que dedicou maior atenção a Sintra: O Triunfo do Inverno e a Farsa da Lusitânia. Ainda me lembrei de Byron, de Southey, de W. H. Auden e de Christopher Isherwood, estes últimos mais pela concepção dos chamados dream poems, muito embora também eles tenham sido tocados pela Serra da Lua.
Mas tudo isto aconteceu-me apenas numa primeira leitura. Porque depois veio a verificação e a certeza da originalidade e profundeza da escrita poética e dramática de Jorge Telles de Menezes. Há ali um fluir de sinais que nos conhecem por dentro, um toque de mágica que nos faz acreditar nos amanhãs impossíveis. O poeta tinha estado, de facto, no útero do grande santuário da Lua.
Não quero especular sobre esta Selenographia in Cynthia. Não quero, nem devo. Tenho a certeza que muitos o farão através dos tempos, pois estou em crer que éobra do presente com mensagens do futuro. Acho que cada um de nós deve fazer a sua leitura e buscar o seu próprio entendimento.
É esta, afinal, a grande missiva do autor. Que procuremos todos a flor, a nossa flor, com toda a valorização espiritual e hermética que ela comporta.
Uma coisa eu posso afiançar. É que o Promontório da Lua está cheio de campos de flores. Basta descobri-las com os olhos do coração.
Azenhas do Mar, Solstício do Verão de 2003
HYNO A CYNTHIA
Suave deusa da ilha
saturnina cynthia celta
romana vestal do ocaso
moura alma encantada
deusa que caças no bosque,
revela-me a tua face!
Eterna criança da lua,
amada e trágica ninfa,
revela-te!
E ao teu laço em desaperto.
A mim,
que me consigo mover
(como um fantasma)
por tuas árvores-estelas
teu mapa de muros vivos
tua cascata de orquestras
tua fonte, ao meio-dia estranha,
teu perfume de montanha
em mares de um vento d´além,
pelos palácios, veloz –
e como nuvem branca
ao fundear no teu colo,
renasço
no teu misticismo pagão
adorando a lua, bacante,
e sou o
noivo desvairado ao luar
devindo os olhos de um poeta
em viagem para a luz.
A mim!
Revela-me!
Mulher telúrica e virgem,
de teu corpo o selo
de tua fonte os amores
no santuário dos fetos
na cynthia dos eremitérios
dos conventos e das tabas,
em oriente,
dentro
de ti.
Revela-te!
a mim,
que padeço desta insónia
de amar tua branca aparição,
hárpica cynthia,
dá-me a visão, uma vez,
da tua face…
… e enterra meu corpo frio,
quando morrer, mais tarde,
dentro de ti,
antes do céu,
para que eu leia
no teu cabelo
frases com pena,
folhas com música
eternidade escrita
por um poeta.
E que depois de saciado na terra nua,
na harmonia do bosque mágico
em ritual sagrado e sensual
na clareira magmática eu renascesse
da pira quente do megalito
a um ritmo extático de cítaras
que a minha voz transformassem –
oh deusa mais pura, selena,
na de um poeta da lua.
JORGE TELLES DE MENEZES, in “Selenographia in Cynthia”, Hugin editores, Agosto de 2003.
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