Durante o período de férias da nossa tertúlia, passaram duas efémerides que não podem passar em branco! Fica a nossa homenagem a Jean-Arthur Rimbaud (nascido a 20 de Outubro de 1854) e a Teixeira de Pascoaes (nascido a 2 de Novembro de 1877, falecido a 14 de Dezembro de 1952).
Mística
Na descida da rampa os anjos rodam os saios de lã nas silvas
de aço e de esmeralda.
Prados de chamas lavram a colina. À esquerda o cimo do
terreiro é pisado por todos os homicídios e todo o fragor de desgraça
descreve a sua curva. Atrás da crista da direita a linha dos orientes,
dos progressos.
E enquanto a faixa superior do quadro é formada pelo rumor
hiante e turbilhante das conchas dos mares e das noites humanas,
A doçura florida das estrelas e do céu e do resto desce frente
à rampa, como um cesto, contra a tua face, e gera o abismo floral
e azul lá em baixo.
Jean-Arthur Rimbaud, in “Iluminações”, Assírio&Alvim, 1989.
I
Desejei falar de mim, neste livro. Falei dos outros, afinal. Mas quem
somos nós senão os outros? Um homem é todas as cousas que ele viu e
todas as pessoas que passaram por ele, nesta vida.
II
Sou todas as cousas e todas as criaturas. Eu, na verdade, não sou eu:
sou o Chico Nozes e o seu remorso vagabundo; o Chichilro carcereiro e
os presos da cadeia, o ladrão, o assassino; sou a Gravuna e a sua fome;
sou o Gesso a pedir esmola para as alminhas do Purgatório; sou a Beatriz
e sou a procissão de Quinta-Feira Santa das Trevas… e aquela nuvem
ao pôr do Sol; e aquele pinheiro abastracto e solitário; e aquela árvore
desgrenhada, ao vento, como as traças da Aflição…
III
Eis aí o assunto deste livro: cousas e pessoas que o Tempo espectra-
lizou na minha lembrança, amei-as, assimilei-as; não as distingo do meu
ser: - floresta de sombras, ao luar… Há este e aquele vulto que se dês-
taca no meio duma turba indecisa; depois mergulham na mesma onda
sentimental que me leva nos braços para o Abismo. Eu e as minhas lem-
brancas vamos todos na onda… E elas agarram-se a mim para que eu
as salve – a mim que vou também na onda, vamos abraçados uns aos
outros, desesperadamente, como naufrágos…
Teixeira de Pascoaes, in “O Bailado”, Assírio&Alvim, 1987.
ANTIGA DOR
O subtil, o reflexo, o vago, o indefinido,
Tudo o que o nosso olhar só vê por um momento,
Tudo o que fica na Distância diluído,
Como num coração a voz do sentimento.
Tudo o que vive no lugar onde termina
Um amor, uma luz, uma canção, um grito,
A última onda duma fonte cristalina,
A última nebulosa etérea do Infinito...
Esse país aonde tudo principia
A ser névoa, a ser sombra ou vaga claridade,
Onde a noite se muda em clara luz do dia,
Onde o amor começa a ser uma saudade;
O longínquo lugar aonde o que é real
Principia a ser sonho, esperança, ilusão;
O lugar onde nasce a aurora do Ideal
E aonde a luz começa a ser escuridão...
A última fronteira, o último horizonte,
Onde a Essência aparece e a Forma terminou...
O sítio onde se muda a natureza inteira
Nessa infinita Luz que a mim me deslumbrou!...
O indefinido, a sombra, a nuvem, o apagado,
O limite da luz, o termo dum amor
Tornou o meu olhar saudoso e magoado,
Na minha vida foi minha primeira dor...
Mas hoje, que o segredo oculto da Existência,
Num momento de luz, o soube desvendar,
Depois que pude ver das Cousas a essência
E a sua eterna luz chegou ao meu olhar,
Meu infinito amor é a Alma universal,
Essa nuvem primeira, essa sombra d’outrora...
O Bem que tenho hoje é o meu antigo Mal,
A minha antiga noite é hoje a minha aurora!...
Teixeira de Pascoaes.
4 comentários:
Gostei desta ideia. Vou tentar acompanhar. Eeste poema é qualquer coisa de outro mundo. Desconhecia. Obrigado.
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