segunda-feira, abril 24, 2006

SESSÃO DE DIA 19/04/06

No dia 19 de Abril realizou-se a 31ª sessão dos Meninos da Avó. Esta sessão ficou marcada por uma grande interdisciplinaridade de assuntos abordados.
Contámos com a presença do poeta croata Tahir Mujičić e do pintor Hrvoje Šercar (autores do livro Causa Portuguesa) assim como de outros convidados não anunciados, como o poeta Alberto Oliveira e o "especialista" em BD Geraldes Lino (organizador da tertúlia de BD mais antiga de Portugal, esta dura à mais de 20 anos com encontros nas primeiras segundas feiras de cada mês no Parque Mayer) e finalmente um destaque especial para os nossos "Avós" a Paula e o Luís que finalmente reapareceram nas nossas sessões.
Muitas ligações e sinergias foram encontradas e estabelecidas nesta sessão, ficámos a saber que o poeta Tahir Mujičić tem fortes ligações à banda desenhada e aos filmes de animação, é dramaturgo e encenador e claro ficamos a conhecer algumas ligações entre Portugal e a Croácia! Ficou a agradável sensação que voltaremos a encontrar estes nossos amigos quem sabe se numa ligação artística!
Para terminar fica um poema do livro "Causa Portuguesa" que vai ser lançado oficialmente na biblioteca Nacional no dia 27 (quinta-feira) às 18 horas.

adormeçamos

os crepúsculos do porto nos finais de outubro são mesmo feitos à nossa medida futuros
velhos
agradavelmente ternos como se estivessem revestidos de bambákion ou seja de
algodão
são amáveis e cordialmente calorosos e em cada tua boa noite
crepúsculo
com boa noite ó homem te respondem e ao mesmo tempo timidamente
sorriem
porque para eles a noite nunca é boa nem é noite boa pois no fundo eles com as noites
morrem
agonizam como os dentes-de-leão irrequietos com que as crianças correm pelos ventosos prados abaixo

os crepúsculos no porto são melosamente excitantes como vinho do
porto
um pouco cansados também da afabilidade que nos oferecem
em abundância
eles nem escondem o anseio para nos encantarem e aliciarem já em
novembro
eles cumprem esta tarefa como os soldados e como os empregados de mesa profissionalmente
e com honra
eles servem para o agrado teu e meu e para a fé o entusiasmo a esperança mas também para o turismo piroso
mas mesmo assim esses crepúsculos amam-te e abraçam-te privada e oficialmente e
até sinceramente

ó homem beija também tu os crepúsculos outonais no porto no entanto troca-os
infielmente
de vez em quando pelas manhãs de primavera cheias de carícias apaixonadas em
coimbra

segunda-feira, abril 17, 2006

ACONTECIMENTOS:

Esta semana temos a assinalar dois acontecimentos (para além da nossa sessão quarta feira!).

Dia 21 (sexta-feira) de Abril às 19 horas vai ocorrer o lançamento do livro da professora Teresa Marques (para aqueles a quem este nome soe familiar, relembramos que é professora de línguas na escola secundária de Mem-Martins). O lançamento decorrerá na biblioteca de Sintra, mais informações serão colocadas no blog.

O segundo evento envolve outro professor da mesma escola, no dia 19 estreia a nova peça de Miguel Real e Filomena Oliveira. Esta peça chama-se 1755 e evoca o grande terramoto de Lisboa, para quem não esteve ou não se recorda este autor participou numa das nossas sessões onde dissertou precisamente sobre esta efémeride!

1755 O Grande Terramoto de Lisboa é uma peça de teatro que recria ficcionalmente, a partir de figuras e acontecimentos reais, a mentalidade portuguesa na Lisboa do séc. XVIII atravessada por uma catástrofe natural que todos abala. Lisboa antes, durante e depois do terramoto é o contexto de toda a acção dramática. Se antes do terramoto se esboçam já os conflitos entre personagens e grupos sociais (os políticos, os nobres, os religiosos, as prostitutas do Botequim da Rosa e o povo das ruas de Lisboa) na luta por privilégios, influências, interesses e poder, é o terramoto que, tudo tendo destruído, revelará, pelo poder do Marquês de Pombal e do rei D. José I, não só uma cidade nova, como uma nova mentalidade e um novo Portugal. Nos escombros do velho Portugal, supersticioso e decadente, de nobreza falida e dominado tentacularmente pelos jesuítas nasce, a ferro e fogo, uma cidade nova, geométrica, e um país moderno, burguês, sem escravos, nem cristão-novos, com escolas normais, comércio intenso, sem contestação, nem opositores. Dois eixos dramáticos unificam toda a peça: a história de Mariana e do seu presumível incesto com o conde de Unhão, que se inscreve na Lisboa popular, e a história da ascensão ao poder do Marquês de Pombal, como ministro do reino, inscrevendo-se numa Lisboa fidalga à volta de rei D. José e do seu ministro.

A peça encontra-se em cena no Teatro da Trindade, de 4ª a sábado às 21h00 e domingo às 16h00 até ao dia 29 de Julho.

terça-feira, abril 11, 2006

DIANTE DE UM MAR GRANDE

De seguida mais um texto e imagens relacionadas com os nossos próximos convidados:

Uma visão de autores croatas

Nas relações europeias, Portugal é um país longínquo e, sobretudo, diferente pela sua exposição ao oceano. Embora a marinhagem determinasse consideravelmente o destino histórico, tanto do nosso povo como do povo português, e particularmente algumas das mais célebres páginas do passado, as consequências da orientação marítima poder-se-iam dificilmente comparar. A imersão mediterrânea tem proporcionado aos espaços (e ao povo) croatas uma medida das relações mais íntimas, enquanto a abertura atlântica tem estimulado nos habitantes de Portugal (e nos respectivos monumentos) os desafios e o entusiasmo das proporções universais. Para não mencionar o abismo verdadeiro que divide a ambição imperial lusófona com a sua realização estatal duradoira, e a dispersão comunal e regional do país croata com elementos espirituais, só em ideias, da coesão e das memórias profundas sobre a auto-essência antiga.

No entanto, “o país à beira do mundo”, o espaço da viagem “até-ao-fim” – como o poeta Tahir Mujičić metaforicamente nomeia Portugal – é particularmente atractivo para nós, tanto pelos contrastes claros, como pelas afinidades possíveis e o reconhecimento ao nível do valor cultural e da actualidade viva. Afinal, com pouco exagero afirmaremos que tanto o nosso país como Portugal foram até há pouco “as belas adormecidas”; que tanto um país como o outro têm participação peninsular, e que compensam certa periferia nas relações europeias (também paralelamente) com a originalidade e intensidade das soluções criativas. Sabemos que a fama dos nossos artistas não equivale sempre aos exemplos lusitanos; contudo, atrevemo-nos a pensar como Marulić pode exercer o mesmo papel que Camões, que Držić, de certo modo, não deve ser menos significativo que Sá de Miranda, que Ujević, em muita coisa, pode ser comparado a Pessoa. Seja como for, sem ambição competitiva, vemos Portugal como um espaço não muito grande, mas de intensidades extraordinárias, como uma janela europeia que dá para um mar imenso, como um território da tradição complexa e frustrações ultrapassadas da grandeza presumível.

Viagem a Portugal estimulou as vibrações criativas e as reacções adequadas de expressão no poeta Tahir Mujičić e no pintor Hrvoje Šercar. Lembranças e anotações foram transformadas em obra bem determinada, em poemas e gráficos que ultrapassam as limitações de ocasião. Podemos dizer que tanto o poeta como o pintor se sentiram inspirados com os ambientes da costa ocidental ibérica, e que encontraram nas cidades e vilas com o património cultural português as cenas e as situações para as quais sentiram inclinação especial, algo entre sensação de movimentos ambientais evidentes e positivos, e pressentimento que também lá poderiam sentir-se como em casa. Por isso, a sua participação neste mapa é pura e espontânea.

Ao poeta é dado o poder de evocar expressamente muitos elementos específicos, o que Tahir Mujičić aproveita abundantemente nos seus poemas evocativos, um pouco nostálgicos e um pouco cómicos. Em estilo de colagem, ele introduz no texto nomes de comidas e bebidas, nomes de interlocutores e transeuntes potenciais, toponímia da região e as cores características dos lugares visitados. As referências, só aparentemente, do relato de viagem pelo Porto e Coimbra, Cálem e Douro, enriquecem no fundo com o factor humano: pescadores e vendedores, marinheiros e ceramistas, turistas e meninas, e sobretudo com os velhos que o autor descreve com certa obsessão – tanto um velho “eterno”, como um dos velhos “futuros”. Mas o motivo conhecido dos velhos (para mim, o do poeta Šoljan) Mujičić desenvolve ou gradua com uma entoação bastante nostálgica (diríamos mesmo: o fado), com a rítmica narrativa e colocação dos motivos em frente do mar grande, o oceano, “uma coisa atrás da qual não há nada”, dando assim à integridade do poema o selo da experiência existencial. Normalmente humorístico e relaxado, Mujičić tocou os registos novos no seu ciclo português, não negando o seu engenho e facilidade de expressão, e colocou-os ao serviço das memórias elegíacas e de identificação afectiva com o mundo das distâncias aproximadas.

Por outro lado, o pintor tem possibilidade de anotar mais de imediato as formas e sinais recebidos. Hrvoje Šercar gosta de partir do visto e memorizado, mas ainda prefere e sente necessário transformar o motivo numa realidade nova. A construção emblemática de Belém, Coimbra, Porto e o Mosteiro de Jerónimos está praticamente inserida na sua circulação sanguínea, e ele renova-os, conforme a recordação, numa projecção elástica e orgânica. Na reconstrução desenhadora aproveitou as experiências das suas imaginações anteriores (“cidades invisíveis” calvinistas), mas também dos devaneios sobre os motivos bem conhecidos e adoptados no coração de Dubrovnik, Trogir, Zagreb... Quer dizer, estabeleceu as coordenadas histórico-geográficas, criou a cenografia certa (fantástica, embora fundada no real) em que então deixou entrar os exemplos humanos e animais: desde os bois que puxam o barco até ao diabo macaco que está sentado num barril; desde o acto feminino com as características de bruxa até ao cortejo dos participantes humildes, provavelmente a procissão medieval dos peregrinos, para não falar das figuras de cantores, apresentadores ou dos navios que parecem estar a orientar a integridade. O bestiário imaginativo de Šercar e o florilégio temático ainda é ampliado com a série de iniciais inventivas, feitas para avivar a factura textual, enquanto a sua iconografia fortalece também o farnel comum e reconhecível do círculo europeu ocidental e a componente concreta portuguesa. Por ocasião de trabalhar no meio gráfico este pintor aproveita também para a combinação dos diferentes níveis (diferentes níveis e fases de realização), com que adquiriu a possibilidade de citar directamente, incrustar os trechos fotográficos, não ficando impedido na emanação do temperamento do manuscrito próprio, na manifestação do estilo individual. Pelo contrário, o diário icónico de Šercar sobre os caminhos portugueses é mais uma afirmação de coesão da sua visão dinâmica e diacrónica do fenómeno, uma prova de segurança do verdadeiro ponto de vista artístico.


Tonko Maroević





O IRAQUIANO IRAQUÊS:

De seguida fica um excerto de um livro de Tahir Mujičić.

O IRAQUIANO IRAQUÊS (MD, Zagreb, 2000)
O Cancioneiro tudocroata
Os velhos sentaram-se
(para o país à beira do mundo)

1 ou prólogo

eles os cinco os cinco mesmo
numa parede com quilómetros e quilómetros e quilómetros de comprimento

2
eles os cinco os cinco mesmo
ao sol triste de Dezembro triste
mesmo por volta do meio-dia e antes do almoço

3
eles os cinco os cinco mesmo
virados como deve ser de cara para a fila de casinhas
escondidas atrás dos azulejos azuis de mau gosto
nas fachadas podres que parecem de casa de banho

4
eles os cinco os cinco mesmo
de olhar vazio-desbotado fixado em nós
desajeitados nas nossas bebidas não bebidas nas nossas
cartas não escritas nos nossos sonhos não sonhados
na nossa fingida distracção e leveza

5
eles os cinco mesmo os cinco
virados (mais ainda como deve ser) de costas para o Atlântico
durante séculos com os ânulos aos ômbrulos
com o conhecimento do fim e sem-fim do final e
sem-final da finalidade e sem-finalidade da paredezinha de facto
e das fachadas em frente e américas invisíveis

6
eles os cinco mesmo os cinco
olha, entrevejo também um jornal a esta distância
e é o jornal nacional com o suplemento desportivo
e portanto com o tema (devemos dizer, de futebol)
de sempre e também com o resto da folha amarrotada
numa almofada debaixo do cu para os ossos cansados
próstata afectada bexiga inflamada

a
eles os cinco os cinco mesmo
e só um barrete gasto
e só três óculos rachados

b
eles os cinco os cinco mesmo
e contudo para nós forasteiros
vestidos a preceito e agasalhados

7
eles os cinco os cinco mesmo
virados de costas para o oceano gelado
chamam-se são talvez e confirmam que são
o joão o barbeiro reformado da rua sete
o rui o controlador dos bilhetes de aveiro até ao porto
antunes o ceramista local numa paz profunda
andré o pescador que já não pesca
álvaro o navegador que já não navega

c
eles os cinco mesmo os cinco
ah sim aproxima-se o sexto estou a vê-lo é verdade
com os óculos na cabeça contido e parece-me que
quer dizer algo e parece-me que não

d
eles os cinco os cinco mesmo
e com eles o sexto com eles que talvez seja
alves jorge que vem e não vem
que é e que não é

8
eles os cinco os cinco mesmo
estão sentados e calados e calados e sentados
e com eles também o sexto
até que o barbeiro abre com a mão trémula
o saco de plástico transparente e manchado
e começa a oferecê-los sem paixão
os papo-secos baratos (em redor o cheiro a bacalhau)
e eles tomam sem paixão ou não tomam e mastigam com a boca desdentada
fitando na mesma os azulejos azuis de casa de banho

9
eles os cinco os cinco mesmo
ficam assim eternamente sozinhos e separados da vida
sozinhos com o jornal de ontem encontrado na praia
sozinhos com os resultados comprados do futebol
sozinhos com os talões da reforma amarrotados
sozinhos com os dedos retorcidos da artrite
sozinhos com o vinho tinto e o vinho branco e verde
sozinhos com as mulheres que dantes os enganavam ou não
sozinhos com o fado triste e com o fatal barco negro
sozinhos com certo futuro galopando ao encontro deles

e
eles os cinco os cinco mesmo
ficam e aquele sexto alves jorge
sem profissão reforma origem
vai-se embora e não volta mais

f
eles os cinco os cinco mesmo
ficam porque ficam e porque
se sentaram o que é segundo dizem
a melhor posição para esperar e fim

10 ou epílogo
e ninguém mesmo ninguém
nem de costas nem por cima dos ombros
olha o oceano
porque sabem como é difícil olhar
para uma coisa atrás da qual não há nada
para uma coisa que não tem fim

(1998) Tradução: Tanja Tarbuk

sexta-feira, abril 07, 2006

PRÓXIMA SESSÃO:

Na próxima sessão de dia 19 de Abril teremos o privilégio de receber dois convidados muito especiais. Especiais por serem croatas, mas também pela sua obra, fica em seguida uma pequena nota biográfica.
Os dois autores croatas - o poeta e o pintor - vêm apresentar em primeira mão nos Meninos da Avó o seu livro "Causa Portuguesa" - poemas e gravuras que constituem um "mapa artístico de Portugal". Também estarão expostas na Gula da Regaleira algumas gravuras do pintor. A apresentação do livro será feita pelo poeta Fernando Dias Antunes enquanto a tradutora de croata-português Tanja Tarbuk ajudará a estabelecer a ligação entre croatas e portugueses.

Tahir Mujičić nasceu em Zagreb, Croácia, em 1947, onde se licenciou em Literatura Comparada e Estudos Eslavos, na Faculdade de Letras de Zagreb.
Publicou vários livros de poesia e ensaio, entre os quais O iraquiano iraquês (Irski Irance), A galinha in the rye (Kokoš in the rye), O galo no vinho (Kokot u vinu). Escreveu ainda 14 dramas e realizou três programas de televisão.
Foi durante vários anos director da Zagreb Film, a celebre escola de cinema de animação de Zagreb. É o director do Festival de Teatro Infantil de Šibenik.
Dono de um humor e de uma alegria contagiantes, é um apaixonado por Portugal, que visita frequentemente, tendo por diversas vezes participado no Cinanima, festival anual de cinema de animação em Espinho.

Hrvoje Šercar nasceu em Zagreb, Croácia, em 1936. Concluiu a Academia de Arte na classe do prestigioso pintor croata Krsto Hegedušić. Teve de 150 exposições individuais e em grupo no país e no mundo. Recebeu vários prémios para a sua obra, e as suas pinturas encontram-se em muitas colecções particulares e institucionais. Dedica-se também a ilustração de livros, cenografia e animação.


Mais informações e dados serão colocados posteriormente.

SESSÃO DE DIA 5/04/06:

No passado dia 5 de Abril realizou-se a 30ª sessão dos Meninos da Avó. Como anunciado contámos com a presença do poeta e tradutor Alexandre Vargas.
Durante a sessão foram referidas algumas efemérides que merecem serem destacadas:

Fez no dia 1 de Abril 10 anos do falecimento do actor e produtor de teatro Mário Viegas, uma personagem polémica mas muito importante para o rejuvenescimento do panorama teatral nacional.

Comemoram-se os 100 anos do nascimento de Samuel Beckett, dramaturgo com uma vastíssima e importante obral teatral.

Finalmente é de referir que dia 1 de Abril é também a data de aniversário do poeta Fernando Grade, que já passou e marcou as nossas tertúlias!

A participação de Alexandre Vargas fica ligada à leitura de um caderno de poemas (inéditos) dos quais ele próprio irá seleccionar alguns para serem colocados no blog!