A ideia já é antiga. Reunir poetas, actores, leitores, ouvintes. Reunir seres humanos em redor da mais acolhedora das lareiras: a Poesia. Saudosos de outras tertúlias que o tempo consumou e consumiu, sentimos chegada a hora de retomar o hábito de nos desabituarmos da vida em prosa. Ei-nos regressados ao convívio das palavras!
sexta-feira, janeiro 27, 2006
PRÓXIMA SESSÃO:
Com rara felicidade, o título deste delicioso ensaio cinge o seu conteúdo como fechadura de manuscrito antigo e precioso. Ele não nos ilude – o que qualquer amante de Sintra e da Literatura pode encontrar nestas páginas, erguido sobre o fundo de um trabalho árduo, valoroso e honesto de pesquisa documental, é um monumento à Serra e à Literatura que ela inspirou, um palácio de sonho e poesia esculpido pelo Assombro, a Lenda e a História, parafraseando o poeta Mário Beirão, citado pelo autor.
Mas João Rodil não se quis limitar a apresentar ao leitor, de uma forma árida e monótona, qual enfastiado guia de museu, a genealogia ilustre de autores que desde recuados tempos pela Serra da Lua se deixaram inspirar. Nem o poderia, quer como filho genuíno da terra que ele é, quer como homem de Letras profundamente arrebatado pela grandeza de tudo o que a esta Serra sagrada concerne. O que ele criou neste livro, foi uma autêntica prosopopeia da Serra de Sintra, que vira personagem animador e animado pelos mais marcantes momentos da história e da cultura portuguesa, europeia e universal.
O mais extraordinário é aqui, porém, o olhar com que João Rodil vê desfilarem os grandiosos vultos que com suas palavras sábias e belas foram esculpindo essa outra montanha, a do mito e do imaginário dos homens. Porque nesse olhar há a firmeza do homem da terra que observa as estações e as épocas seguirem-se, como quem sabe que existe um grande mistério nas coisas da vida, uma abundância de sinais no livro exposto do cosmos que a humana inteligência vai folheando com panteísta admiração.
Jorge Telles de Menezes.
ANTES DE NÓS, OS OUTROS
Já se fez luz e as trevas se separaram. E até às trevas se deu luz. Rola de dia o Sol por cima da Serra antiga, a admirar-lhe o corpo de serpente. À noite, quando os píncaros se transformam em gigantes de pedra, deambula a Lua perdida em sua casa. Estão enamorados o Sol e a Lua, mas apenas se beijam à esquina da madrugada. E o espaço mágico onde trocam o beijo furtivo, é esta Serra de Sintra: maternidade do tempo, altar primitivo onde os deuses vão rezar, pedaço do coração do velho Pangea.
Depois, não há depois. Só a imitação dos homens, a tentativa desesperada de igualarem o amor dos astros, a vontade impotente de cantarem aquilo que não entendem. E muitos foram os homens a empreenderem essa demanda ao longo dos séculos. Uns, perderam-se ignorados como peões em campo de batalha; outros, aqueles que souberam sentir o pulsar do Universo, que acreditaram na transcendência do Promontório, que beberam de sua água inspiradora, conseguiram transportar para a palavra o que esta terra sem mal lhes segredou.
Em Sintra, lugar imenso e mítico, grande número de poetas e escritores sonharam pelo alto da sua Serra serpentária. Deixaram, então, ao longo de todo o calendário dos homens, uma literatura abundante e viva, inesgotável, ainda hoje por completar. Talvez sempre por completar.
Dá-nos o Sol dias longos ou curtos, conforme toca os dois pontos da eclíptica que ficam nos extremos opostos do equador celeste. E nessas variações de luz, esse grande jogo claro-escuro universal, surgem dias poliédricos, embrionários, comutadores da vida. E é de luz e criação que vamos falar, ao sabor das estações, como se elas produzissem nos homens as mudanças de espírito, de mentalidade. Solstício é plural, assim como plural é a Lua projectada nas águas do mar ocidental. O Mar! Mundo ignoto, magnético e assustador, que puxou os homens à diáspora atlântica. Nadaram em busca da terra iniciática, doadora da vida verdadeira, e escarparam o Promontório para cheirar a Lua. E nesta região entre dois-mundos, admiraram as borboletas de fogo que pairavam na suspensão do pó.
Eram os primeiros artistas a vaguearem por Sintra, espelhando os seus tormentos e sentimentos em materiais líticos ou osteológicos, embrionando a Arte nos suportes naturais. Contudo, desde esses recuados tempos, há-de o homem conferir a Sintra o estatuto de templo sagrado.
João Rodil, in “SERRA, LUAS e LITERATURA”, Edições da Palavra e Câmara Municipal de Sintra, 2ª edição, 2004
terça-feira, janeiro 24, 2006
HOMENAGEM:
Como achamos que a melhor homenagem que se pode fazer a um poeta é a divulgação da sua poesia em seguida ficam exemplos das suas obras e o convite para descobrirem mais destes poetas.
AS SETE VIRTUDES FILOSOFAIS
OU
A ALQUIMIA DOS POETAS
1.
O orgulho
Por vezes no poema
desperdiçamos tudo
e fica apenas
uma terrível faca de silêncio
um muro
uma sebe de sede que defende
a fome de ódio puro.
2.
A Avareza
A palavra vã guardada
A esmola aliterante.
Eis a miséria doirada
da poesia altissonante.
3.
A Luxúria
Nós amamos a carne das palavras
sua humana e pastosa consistência
seu prepúcio sonoro sua erecta presença.
Com elas violentamos
o cerne do silêncio.
4.
A Ira
Uma rosa de cólera
o poema
Uma antena de raiva.
Uma espoleta
na serena gaveta do poeta.
5.
A Gula
Comemos vegetais e animais
Bebemos vinho.
Respiramos fundo.
Somos normais. Apenas
devoramos o mundo.
6.
A Inveja
Não sermos nós a voz
o tacto
o texto.
Darmos cinco sentidos
Para termos o sexto.
7.
A Preguiça
Este
lento
talento
de vazarmos tristeza.
José Carlos Ary dos Santos.
Portugal
Avivo no teu rosto o rosto que me deste,
E torno mais real o rosto que de tou.
Mostro aos olhos que não te disfugura
Quem te desfigurou.
Criatura da tua criatura,
Serás sempre o que sou.
E eu sou a liberdade dum perfil
Desenhado no mar.
Ondulo e permaneço.
Cavo, remo, imagino,
E descubro na bruma o meu destino
Que de antemão conheço.
Teimoso aventureiro da ilusão,
Surdo às razões do tempo e da fortuna,
Achar sem nunca achar o que procuro,
Exilado
Na gávea do futuro,
Mais alta ainda do que no passado.
Miguel Torga
POEMAS E PENSAMENTOS SOLTOS:
Cecília Meireles
SORTILÉGIO
Se é verdade, quando a noite cai,
E em paz repousam os viventes
E dos céus escorre exangue o raio
Da lua nas lápides dormentes,
Oh, se é verdade que ficam já
Os túmulos vazios, queria
Chamar-te a sombra, esperar Leíla:
Vem, minha amiga, vem cá, vem cá!
Vem, ó sombra bem-amada, tal
Como estavas antes da partida,
Branca e fria como dia invernal
Na última aflição contorcida.
Vem, ó sombra amada, tanto dá
Que sejas um leve toque, um sopro,
Ou visão tétrica de assombro,
Seja qual flores: vem cá, vem cá!...
Não te chamo pra acusar, oh não,
Quem por mal me matou a amiga,
Matou amiga do coração,
Nem para à tumba roubar o enigma,
Ou porque a dúvida me doerá
Não… é por saudade que te chamo,
Pra contar-te como inda te amo
E te pertenço: vem cá, vem cá
Aleksandr Púchkin (1830)
domingo, janeiro 22, 2006
DIVULGAÇÃO
sábado, janeiro 21, 2006
CONFERÊNCIA:
dia 25 de Janeiro de 2006
"Fernando Pessoa - Poeta da Mensagem"
Dr. Francisco Queiroz
Programa: 16h - visita gratuita à Casa-Museu de Leal da Câmara
18h - Conferência
Casa-Museu de Leal da Câmara, Calçada da Rinchôa nº67, Rinchôa
sexta-feira, janeiro 20, 2006
CONCERTO:
União Recreativa e Desportiva Fontanelas e Gouveia
Os Big River Johnson, «com as suas raízes no lodo criativo de Robert Johnson, Sun House, Muddy Waters, Howlin' Wolf, Screamin' Jay Hawkins e outros...», irão dar mais um dos seus enérgicos concertos no próximo dia 28 de Janeiro na União Recreativa e Desportiva Fontanelas e Gouveia em Fontanelas. Mais uma celebração musical com a presença dos elegantes DJ Mauamor e DJ ManMachine que complementarão, com graciosidade, uma noite informal de alegria e convívio...
Mais informações: http://www.alagamares.net/ e www.badblues.blogspot.com
segunda-feira, janeiro 16, 2006
RECUPERAÇÃO DE TEXTOS LIDOS EM SESSÕES ANTIGAS:
MOLÉCULAS ESTRAGADAS
Os crocodilos de hoje já não são crocodilos. Onde ficaram os bons velhos aventureiros, que metiam nas narinas uma bicicleta minúscula e declives de gelo? Os corredores dos quatro pontos cardeais seguiam a rapidez com o dedo e faziam um cumprimento. Que divertido não era outrora, apoiar-se com uma corajosa despreocupação naqueles rios agradáveis polvilhados de pombas e pimenta.
Já não existem pássaros autênticos. As cordas que se esticavam, à noite, sobre os caminhos de regresso, não deixavam ninguém tropeçar, mas em qualquer falso obstáculo tarjavam-se os olhos dos artistas do equilíbrio com alguns sorrisos. O pó cheirava a raio. Antigamente, os bons velhos peixes usavam bonitos sapatos vermelhos nas barbatanas.
Já não existem mais autênticos ciclistas aquáticos, nenhuma microcospia e nenhuma bacteriologia, em verdade, os crocodilos já não são mais crocodilos.
Tradução de George Till, de uma antologia de surrealismo alemão intitulada «Gib Acht tritt nicht auf meine Träume»ed. por Berndt Schulz, Eichborn Verlag.
Ibn Hazm al Andalusi
O COLAR DA POMBA
Conteúdo
A essência do amor. Os sinais do amor. As pessoas que se apaixonam enquanto dormem. As pessoas que se apaixonam com base numa descrição. As pessoas que se apaixonam ao primeiro olhar. As pessoas que só se apaixonam pouco a pouco. As pessoas que se apaixonam por uma característica. O dar a entender por palavras. O fazer sinais com os olhos. A troca de correspondência. O mensageiro. O guardar o segredo de amor. O renunciar ao segredo de amor. A submissão. O comportamento desabrido. O censurador. O amigo solícito. O observador. O caluniador. A união. O esquivar-se. A fidelidade. A infidelidade. A separação. A sobriedade. A enfermidade. O esquecimento. A morte. A abominação do pecado. A excelência da castidade.
Farid ud-Din Attar (1120-1230)
A CONFERÊNCIA DOS PÁSSAROS
De repente abriu-se o portão e saiu de lá um nobre camareiro, um dos cortesãos da suprema Majestade. Ele examinou-os e viu que dos milhares que eram só estes trinta pássaros tinham sobrevivido. «Então, vós pássaros», disse ele, «de onde vindes, e o que fazeis aqui? Como vos chamais? Ó vós, que sois verdadeiramente todas as coisas, onde fica o vosso lar? Como sois chamados no mundo? O que se poderá fazer com vós que não sois mais do que uma frágil mão cheia de pó?»
«Nós viemos», retorquiram os pássaros», «para reconhecermos o Simurgh como nosso rei. Devido ao nosso amor e à nossa saudade por ele perdemos o entendimento e a nossa paz de espírito. Há muito tempo passado, quando nós partimos para a viagem, éramos milhares, e somente trinta e dois de nós chegaram a esta nobre corte. Nós não podemos acreditar que, depois de todo o nosso esforço e sofrimento o Rei nos irá repudiar. Oh não! Ele só nos pode acolher com benevolência!»...
Depois de o camareiro os ter posto assim à prova, abriu-lhes o portão. Um atrás do outro, ele descerrou centenas de cortinados e por trás do véu descobriu-se um mundo inteiramente novo. Agora revelava-se a luz das luzes, e eles sentaram-se todos no Masnad, o assento da majestade e do esplendor. Entregaram-lhes um escrito que eles deviam ler; e depois de o terem lido e nele terem reflectido, entenderam o seu estado. Depois de terem atingido uma paz completa e de se terem libertado de todas as coisas, reconheceram o Simurgh que estava entre eles, e à luz do Simurgh começou uma nova vida para eles.
Tudo o que eles tinham feito até então foi purificado. O sol da majestade irradiava os seus raios, e as suas almas luziam, e no reflexo dos seus rostos observavam estes trinta pássaros (Si-murgh) do mundo exterior o Simurgh do mundo interior, invisível. Isso deixou-os de tal modo espantados, que eles não sabiam mais se ainda eram eles próprios ou se se tinham tornado no Simurgh. Por fim, num estado de contemplação e ensimesmamento, eles reconheceram que eram o Simurgh e que o Simurgh era os trinta pássaros. Quando eles observavam o Simurgh, eles viam que tinham o Simurgh realmente diante de si; e quando dirigiam o olhar para si mesmos, reconheciam que eles eram o próprio Simurgh. E quando eles perceberam os dois ao mesmo tempo, eles próprios e Ele, tiveram consciência de que eles e o Simurgh formavam um e o mesmo ser. Nunca ninguém no mundo ouviu falar de um milagre que se equipare a este.
Textos traduzidos do alemão por George Till, de «Die Erfindung der Liebe», ed. por Claudia Schmölders, Verlag C. H. Beck, Munique.
segunda-feira, janeiro 09, 2006
LUÍS FILIPE SARMENTO
Luís Filipe Sarmento numa sessão dos Meninos d´Avó
Luís Filipe Sarmento nasceu a 12 de Outubro de 1956.
Jornalista desde 1970, publicista, editor, realizador de cinema e vídeo.
Alguns dos seus textos encontram-se traduzidos em inglês, espanhol, francês, mandarim, japonês e romeno.
Produziu e realizou a primeira experiência de Videolivro feita em Portugal no programa “Acontece” para a TV2.
É autor de vários livros dos quais se destacam:
TRILOGIA DA NOITE – 1978
NUVENS – 1979
ORQUESTRAS & COREOGRAFIAS – 1987
GALERIA DE UM SONHO INTRANQUILO – 1988
FIM DE PAISAGEM – 1988
FRAGMENTOS DE UMA CONVERSA DE QUARTO – 1989
EX POSIÇÕES – 1989
BOCA BARROCA – 1990
MATINHAS LAUDAS VÉSPERAS COMPLETAS – 1994
TINTURAS ALQUÍMICAS - 1995
1.
São os cavalos, outra vez que me galopam
incessantes nas planícies em branco
Que eu sei de tantas viagens inacabadas
Que segredos guardo na memória
Busco, buscando o impossível, talvez o Amor
Na página virgem, talvez o infindável
Que perscruto numa espeleologia suicida
Sufoco na ansiedade de querer o inexistente
E quando medito regresso ao quotidiano
como palavra cansada, lugar comum e reinicio
com todo o desinteresse pelas coisas
coisas que me ocupam as horas
que me invadem os lugares secretos
que me retiram a alma. Cá estou, outra vez,
bonecreiro, jongleur sedentário de habilidades.
2.
Associo o impossível com um grito
Associo-me ao grito veloz: impossível busca
Em busca do impossível. Grito:sonoridade
com a idade do som. Hoje impensável o grito
na estrutura social possível: silêncio sociável:
palavras sorridas inquestionáveis marcam o ritmo
da surdez do mundo. Possível. Programado,
sem grito. Grito. Grito a dor pela paixão,
o ódio pelo grito eu grito:
todo o impossível é possível no meu grito.
Gritos. Ecos de plasma
Do impossível que desejo, gritando.
Grito. Com a voz nomeio. Grito com o sangue
o impossível que me grita possível o grito.
3.
Classicamente durmo desesperado:
não durmo: perco-me no sono acordado,
sem ar sufoco no cansaço, acordado.
Durmo sem sono, o sono desesperado
Sonho e não durmo, acordo e não sonho,
ao acordar durmo, ao sonhar esqueço.
Esqueço o sono e dorme o sono que mereço.
Não durmo: sonho o sono que me sonho.
Vivo sem acordar. Não durmo, adormeço
o sonho, o sono, dormindo sem sonho
o sonho que me adormece acordado.
Por fim morro sonhando com o sono,
vou morrendo, dormindo, vidrado,
sem saber do sono, o meu sonho:
o sonho que sempre tive acordado.
Luís Filipe Sarmento, in “Tinturas Alquímicas”, Tertúlia, 1995.
SESSÃO DE 4/01/06
António Gancho (1940-2005) morreu na noite de passagem de ano, na Casa de Saúde do Telhal, onde estava internado desde 1967. Nasceu em 1940 em Évora e veio para Lisboa muito jovem, frequentou o grupo do Café Gelo. Da sua vida pública sabe-se apenas que passou a maior parte do tempo em instituições psiquiátricas. A sua literatura apenas se revelou publicamente em 1985 na antologia «Edoi Lelia Doura», organizada por Herberto Hélder e onde se incluíam onze poemas de Gancho. Em 1995 saí um volume com a sua poesia “O Ar da Manhã”, no ano seguinte é apresentada por Álvaro Lapa, uma novela erótica escrita em 1990 ( “As Diotrias de Elisa”).
De seguida ficam alguns dos poemas lidos deste autor lidos na sessão:
Rui Mário
SINTAXE
Aonde a planície já não tiver um sentido
e os campos forem já só o horizonte
aí o teu vestido há-de ser cor esmaecido
e sobre ti a minha fronte.
Por te sobre os joelhos uma flor rubra
por te no lugar das pernas o mais amor que me houver
aí onde a flor deixa o pólen
aí o sémen de mulher.
Por te sobre o sémen o gemido do teu acto
por te sobre o gemido
a planície sem sentido
aí o teu vestido há-de ser cor esmaecido
por te sobre as pernas me dilato.
ULISSES-OLISIPO
Desenham-se no céu os números da solidão
por onde James Joyce conseguiu escrever o romance
Ulisses há-de sê-lo bem o meu coração
eu, a minha solidão, o meu transe
A chaminé na cidade deita o fumo da minha angústia
o meu desespero projecta a minha intoxicação
Ulisses, cidade de Dublin, eu, Lisboa, minha cidade
eu, Lisboa, a chaminé, o meu coração
O fumo sobe que sobe sobe que sobe e enche o ar
cidade de Dublin, Lisboa
também eu te vou cantar
Grande a nostalgia do teu néon luminoso
A sentir-se dentro de mim e a dizer-se que já não posso
Aqui a enorme cidade aqui a tentactular
o meu crime é de estudar o céu que me invade
e onde arranha o arranha-céus.
ARTÉRIA, TU TENS RAZÃO
A única coisa que aprendi meu Deus
a sofrer a desilusão duma passagem de rua
ficar com o lado esquerdo a ajudar a falar
mas a única coisa que eu aprendi.
Que um bocado de vidro me inundasse de luz uma artéria
eu era um bocado de vidro que não inundasse de luz
artéria nenhuma
era uma desilusão a olhar para mim
e dizer movimento de rua
é assim movimento de rua
aí está nós cá estamos nós somos tal e qual
uma desilusão em passagem.
Tinha era ainda mais que tudo isso
um inchaço dum vidro em bocado
espetado em cima de pedra.
Havia um estendal de desilusão a devorar-me
todo com os olhos
eu era uma continuação do meu ser.
Onde um simulacro estava a vantagem
de uma desilusão.
Eu não
Eu cá.
Que um cá estamos considerasse ou não
eu não tinha nada com isso.
Eu fum, eu…
Ah,
Havia é que era eu cá estamos nada disso
eu cá não eu nada eu não tinha eu não tenho
tu quê
nós consideramos.
Onde punha fum
tudo por dentro era duma urânia
tudo por dentro era duma constipação palpável
pelo sentido da pedra e do bocado de vidro.
Não eu cá não vou.
Quem olha descontenta.
TU ÉS MORTAL
Tu és mortal meu filho
isto que um dia a morte te virá buscar
e tu não mais serás que um grão de milho
para a morte debicar
Tu és mortal meu anjo
tu és mortal meu amor
isto que um dia a morte virá de banjo
insinuar-se-te senhor
É-se mortal meu Deus
tu és mortal meu Deus
isto que um dia a morte há-de descer
ao comprimento dos céus.
António Gancho, in «Edoi Lelia Doura», Assírio e Alvim 1985
sábado, janeiro 07, 2006
EFEMÉRIDES/ ACONTECIMENTOS DA QUINZENA:
Fez-se referência ao recente falecimento do jornalista Cacéres Monteiro e do poeta António Gancho (que acabou por ser alvo de uma homenagem na sessão).
Estreia dia 13 de Janeiro na Casa de Teatro de Sintra a peça "A Entrega" de João Garcia Miguel.
Finalmente está marcada a estreia do "Policial" dos Utopia teatro, ocorrerá no dia 16 de Fevereiro na Casa de Teatro de Sintra.
Concerto de Blues organizado pela associação Alagamares em Fontanelas no dia 28 de Janeiro.
Na próxima sessão de dia 18 teremos como convidado o poeta/escritor Luís Filipe Sarmento.
Como último acontecimento temos que referir a presença nesta sessão de um coladorador do Jornal de Sintra, finalmente uma prova de reconhecimento por parte da comunicação social das nossas tertúlias!